Vamos libertar-nos devagarinho e reencontrar o outro

Tanto dizíamos que o confinamento era a pior coisa que nos tinha acontecido e que queríamos voltar à nossa vida e conviver, mas, agora, sentimo-nos numa ambivalência em forma de paradoxo de “quero sair... prefiro não sair”.

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@petercalheiros

A partir de 4 de Maio, iniciamos, de forma faseada, o desconfinamento com o intuito de reagir ou fazer a retoma progressiva da vida económica e social do país. Contudo, foram mantidos os deveres gerais de confinamento obrigatório para pessoas doentes com covid-19, bem como o dever cívico de recolhimento domiciliário e uso de medidas de prevenção e de protecção como as de etiqueta respiratória e o uso obrigatório de máscaras nos transportes públicos, escolas, comércio e outros locais fechados com múltiplas pessoas.

Retomar sim, mas com cuidado. E, de facto, é assim que deve acontecer, dado que a covid-19 tem força e mata.

Já sabíamos que não iríamos ficar assim fechados para sempre e nem queríamos que assim fosse. Conhecemos as novas regras, com equipamentos de protecção individual e menos manifestações de afecto físicas ou outras. No entanto, precisamos dar um passo, sair da bolha, passar a porta e encontrar pessoas. Mas o medo insiste em ser mais forte! As lojas abriram e os clientes pouco aderiram; os restaurantes estão a fechar porque ninguém arrisca entrar.

Porquê? Afinal, tanto dizíamos que o confinamento era a pior coisa que nos tinha acontecido e que queríamos voltar à nossa vida e conviver, mas, agora, sentimo-nos numa ambivalência em forma de paradoxo de “quero sair... prefiro não sair”. Estamos receosos e agora vivemos o medo do outro, numa espécie de fobia social colectiva. O outro representa o perigo e enquanto eu tiver medo do outro e ele tiver medo de mim, não vai estar tudo bem.

Temos de quebrar a vergonha das máscaras e assumir que esta nova realidade é difícil para todos e que estamos todos a passar pelo mesmo. Podemos ficar ridículos de viseira, mas é preciso! Não é porque uma pessoa está toda equipada que significa que está doente, simplesmente pode estar mais preocupada.

O estigma da doença mental deve ser igualmente rompido, assumindo que muitas pessoas estão, naturalmente, mais ansiosas ou deprimidas porque isto é um dos efeitos da pandemia, que se podem agravar como consequência da crise económica e social que os portugueses já estão a sentir. Cuidar da saúde mental das pessoas é fundamental não só para mitigar o seu sofrimento, mas também para que o país possa ter pessoas e empresas fortes para uma recuperação positiva da economia.

Estamos a viver o início de uma nova era e teremos todos de lutar contra o medo e confiar no outro, porque o outro também somos nós. Nos próximos tempos, tudo vai ser diferente e a tal reinvenção que tanto se fala e se pede aos empresários vai significar, também, confiar. Temos de reinventar a confiança, porque é de confiança que se trata.

Precisamos uns dos outros, mais do que nunca. Eu tenho de entrar numa loja e confiar que não serei contaminada, sendo que o dono daquela loja tem também de me provar que posso confiar. Da minha parte, tenho de colaborar e seguir as regras de protecção, para mim e para os outros, e assim também giro e sinto confiança.

Temos, então, de aproximar e quebrar o afastamento, em segurança, sem ser vítimas do medo, mas usando-o como um protector, para não minimizar o risco que ainda existe.

E é assim que nos vamos libertar devagarinho e conseguir reencontrar o outro, com medo, mas também com confiança. Porque o medo constante do outro pode gerar desencontro, afastamento e desconfiança e para uma sociedade voltar a ser social precisa de aproximação e de segurança.

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