Turismo: bem-me-quer, malmequer

Se a estabilidade dos mercados de procura turística levanta dúvidas, que outras atividades podem hoje, num mundo globalizado, assegurar maior solidez nessa matéria?

Para quem vive o sistema de oferta turística por dentro, sempre causou alguma perplexidade a frequente desvalorização política, estratégica, económica, social e cultural de que o turismo é alvo por parte de alguns que o observam de fora. É um desamor que custa a entender, até porque, certamente, esses críticos integram a procura turística.

Num artigo recentemente publicado na edição online do Expresso, sob o título “Turismo a mais ou Economia a menos?”, Carlos Costa, administrador do Grupo NAU Hotels & Resorts, exemplificou com clareza a origem e a natureza das maiores críticas que hoje se abatem sobre o turismo, designadamente a de que o país nele confiou em demasia para ser um dos pilares do seu sistema económico e que, pela suposta fragilidade da sua procura, isso será um problema para a retoma da economia que agora se torna outra vez necessária. Explicou Carlos Costa, também com clareza, que o turismo não ‘pesa’ assim tanto como algumas análises precipitadas anunciam e que devemos, isso sim, manter o foco nas razões pelas quais outras áreas económicas não conseguem acompanhar o dinamismo e o sucesso de que o turismo vem dando prova.

Junto eu mais algumas perguntas para reflexão:

i. Quem, na ressaca da crise financeira e económica que abalou o mundo ocidental no pós-2007/8, ousaria travar voluntariamente o sucesso que o turismo rapidamente deu provas de poder atingir em Portugal, com receio de que ele se pudesse vir a tornar excessivo? Alguns números, a título de exemplo: entre 2010 e 2019, as receitas globais do turismo subiram de 7.600 para 18.400 milhões de Euros, desempenho que lhe fez garantir, em 2019, 19,4% do total das exportações portuguesas e 52,3% daquelas conseguidas pelas atividades de serviços; alguma outra área da economia portuguesa tem algo sequer parecido para apresentar?

ii. Se, por hipótese, o crescimento do turismo em Portugal tivesse sido mesmo travado, alguém imagina que, por um qualquer passe de mágica, as outras áreas da nossa economia estariam hoje mais florescentes? Ou estaríamos todos apenas mais pobres?

iii. Não seria absurdo que Portugal desperdiçasse as vantagens competitivas da sua oferta turística, as quais lhe faltam em muitas outras áreas da atividade económica, como, entre outros, sinalizou Michael Porter?

iv. Se a estabilidade dos mercados de procura turística levanta dúvidas, que outras atividades podem hoje, num mundo globalizado, assegurar maior solidez nessa matéria?

É tempo de compreendermos: i) que o desejo e as expectativas dos consumos associados ao cluster do bem-estar, lazer e turismo subiram muito na hierarquia das necessidades do ser humano moderno; ii) que essa evolução se traduz, por exemplo, no facto de há 15 ou 20 anos ser absurdo pedir um financiamento para viajar mas hoje isso poder ser tido como normal, mesmo que alguns de nós continuemos a considerar essa opção como despropositada; iii) que a ligeireza com que avaliamos (e bem!) a prescindibilidade de um ato de consumo turístico é uma coisa, mas o efeito de milhões desses atos na economia e na sociedade é outra bem diferente!

Como já referido, dou por certo que todas as vozes críticas do turismo provêm de turistas, ainda que, provavelmente, de turistas mais identificados com o conceito alternativo de ‘viajante’. Pessoas que gostam do turismo, mas diabolizam os turistas. Os outros, claro. Esquecendo que todos nós somos os outros dos outros. Esquecendo, também, que o turismo é muito mais do que o estereótipo da oferta massificada nos destinos de praia e nas grandes cidades, para além de que nem todos os turistas o são por motivos de lazer. Esquecendo a importância da riqueza criada, dos empregos gerados, dos impostos pagos.

Ainda há poucos dias, o primeiro-ministro António Costa augurava que aqueles que tanto bradaram contra o excesso de turistas em Portugal ainda haveriam de se lembrar muito deles… Acredito que tem razão, e também acredito que o turismo e os turistas saberão encontrar, mais cedo do que tarde, um caminho de retoma. Apenas e só porque, afinal, sempre o fizeram, perante todas as adversidades.

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