Estudo sugere que a pandemia de covid-19 surgiu entre Outubro e Dezembro

Através de análise computacional, uma equipa de cientistas identificou 198 mutações recorrentes num conjunto de genomas do SARS-Cov-2 sequenciados.

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A amarelo, partículas do coronavírus SARS-CoV-2 NIAID

Que pistas sobre a evolução do coronavírus SARS-Cov-2 nos pode dar a sua genética? Ao analisarem o genoma do vírus de mais de 7500 doentes com covid-19, uma equipa liderada pela University College de Londres identificou 198 mutações genéticas recorrentes nesse conjunto de genomas. Depois, através de estudos computacionais, avaliou a “acumulação da diversidade genética” nessa amostra e sugere que a pandemia de covid-19 pode ter começado entre Outubro e Dezembro, o que corresponde à altura em que o vírus terá saltado do seu hospedeiro para os humanos.

O grande objectivo desta equipa é perceber como a covid-19 se espalha e se transmite. Para isso, estudou todas as informações genómicas através da análise computacional com dados da base de dados pública Gisaid, que já tem disponíveis mais de 16 mil genomas do SARS-Cov-2 de todo o globo.

Para este estudo, a equipa analisou mais de 7500 genomas do SARS-Cov-2 de doentes espalhados pelo mundo. Ao todo, identificaram-se 198 diferentes mutações que parecem ter ocorrido de forma independente mais do que uma vez. “As 198 mutações que identificámos são apenas um pequeno conjunto de todas as mutações que observámos ao longo de todos os mais de 7500 genomas”, indica Lucy van Dorp, cientista do Instituto de Genética da University College de Londres e uma das líderes do trabalho publicado na revista Infection, Genetics and Evolution. Como estas 198 mutações parecem ser recorrentes, a investigadora diz que poderão dar pistas sobre a forma como o vírus se está a adaptar e até infectar os humanos.

Esta semana também foi anunciado que, no conjunto de todos os genomas já sequenciados em Portugal, foram identificadas 150 diferentes mutações genéticas no vírus.

Mas voltemos ao trabalho da University College de Londres. Para saberem quando terá surgido a actual pandemia, Lucy van Dorp explica que a equipa analisou a “acumulação da diversidade genética” nos mais de 7500 genomas. Desta forma, tentou-se encontrar o antepassado comum a todos os vírus analisados: “Conseguimos usar informações genéticas para estimar a altura [em que surgiu] o antepassado comum de todos os vírus. Inferimos que foi entre o início de Outubro e meados de Dezembro do último ano.”

A investigadora esclarece ainda que este período corresponde ao momento em que o vírus começou a infectar humanos, passando, provavelmente, de um animal para nós. Num comunicado sobre o trabalho, a equipa também clarifica que, devido a estes resultados, é “muito improvável” que o vírus estivesse em circulação pelos humanos muito tempo antes de ter sido detectado.

Ao longo do trabalho, verificou-se ainda que uma grande proporção da diversidade genética global existe em todos os países mais afectados. Para a equipa, este resultado sugere, assim, que houve uma grande transmissão pelo mundo desde que o vírus passou para os humanos, bem como a ausência de um único “paciente zero” na maioria dos países.

A investigação oficial à covid-19 começou a 31 de Dezembro de 2019, quando a representação da Organização Mundial de Saúde (OMS) na China foi informada de casos de uma pneumonia de causa desconhecida. Esses casos tinham sido detectados na cidade de Wuhan, na província chinesa de Hubei. Devido ao seu alastramento pelo mundo, a OMS veio a declarar esta situação como uma pandemia a 11 de Março.

Um processo natural

Lucy van Dorp acrescenta que estamos no início da evolução do SARS-Cov-2 e que poucas mutações têm sido acumuladas em cada amostra de genoma do vírus ao longo do tempo. Portanto, quanto à taxa de mutação desde que o vírus foi sequenciado pela primeira vez, a equipa diz que será de cerca de 18 mutações por ano, por exemplo, através de uma cadeia de transmissão.

“Isto é muito normal para um vírus com ARN [o seu material genético], mas mais baixo do que acontece no VIH e com os vírus influenza”, assinala Francois Balloux, também investigador do Instituto de Genética da University College de Londres e líder do trabalho. Lucy van Dorp diz mesmo que esta é uma taxa de mutação semelhante às de outros coronavírus. “Não há nada que sugira que o SARS-Cov-2 esteja a sofrer mutações de forma mais rápida ou mais lenta do que se espera para este tipo de vírus e a maioria destas mutações não terá consequência funcionais”, refere a cientista, realçando que estas mutações são uma alteração do vírus durante o processo infeccioso.

“Todos os vírus sofrem mutações naturalmente. As mutações, por si mesmas, não são uma coisa má e não há nada que sugira que o SARS-Cov-2 esteja a mudar mais rápida ou lentamente do que se esperaria”, nota Francois Balloux. “Até agora, não podemos dizer se o SARS-Cov-2 se está a tornar mais ou menos letal e contagioso.”

Um dos contributos deste estudo será no desenvolvimento de vacinas e outros tratamentos. Sobre isso, a equipa destaca que as mutações identificadas não estavam distribuídas uniformemente por todo o genoma do vírus. Portanto, como algumas partes do genoma tinham poucas mutações, essas partes podem ser usadas para desenvolver vacinas e alvo de tratamentos.

“Um grande desafio no combate ao vírus é que uma vacina ou medicamento possa não ser eficaz se o vírus sofrer mutações. Se concentrarmos esforços em partes do vírus que são menos propensas a mutações, temos hipóteses melhores de desenvolver medicamentos que sejam eficazes a longo prazo”, explica Francois Balloux.

Lucy van Dorp avisa que é preciso continuar a analisar mais genomas à medida que se tornam disponíveis e perceber as suas mutações.

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