Ainda que o medo nos assombre, o nosso lema é “Vida por vida”

Joel Ferreira, motorista dos Bombeiros Voluntários de Seia. “Esta pandemia veio provocar um medo e uma insegurança enormes na população em geral. E isso resultou num decréscimo do número de transportes de doentes que os bombeiros fazem. Pessoas que precisavam de consultas regulares, de tratamentos, fisioterapia, viram essas consultas e tratamentos suspensos. E tenho algum receio das consequências que isso terá para a saúde delas.”

A pandemia veio alterar o quotidiano dos transportes de doentes não urgentes e urgentes feitos pelos bombeiros. A nível operacional houve um ajuste de alguns procedimentos, para que os bombeiros se protejam a si próprios e aos utentes, seguindo as recomendações da Direcção-Geral da Saúde.

No transporte regular dos doentes não urgentes os bombeiros passaram a utilizar máscaras e óculos de proteção e os utentes passaram a utilizar a máscara. Já no transporte de doentes urgentes os operacionais passaram também a utilizar a máscara e óculos de proteção, a par das luvas, que já eram de utilização regular.

Quando estão em causa doentes em que há suspeita de infeção pelo novo coronavírus ou que já foram confirmados como tendo covid-19 os bombeiros utilizam o EPI (equipamento de proteção individual), que é constituído por fato de proteção integral, bata descartável, máscara, proteção ocular, luvas, cobre-botas e touca. Após a utilização deste equipamento a sua remoção é executada de forma cuidadosa, para não nos contaminarmos a nós ou aos que nos rodeiam. Nas nossas instalações temos uma área dedicada exclusivamente a esse efeito. Depois de retirarmos o equipamento tomamos um banho.

Já transportei doentes que apresentam sintomas suspeitos, que estavam no Hospital de Seia e foram reencaminhados para o hospital de referência, na Guarda. Aí usamos o equipamento todo, dos pés à cabeça. Quando estão conscientes, os doentes ficam a olhar para nós de forma estranha... É natural. Outros nem sabem bem onde estão. Não notam.

Esta pandemia veio provocar um medo e uma insegurança enormes na população em geral. E isso resultou num decréscimo do número de transportes urgentes e não urgentes. Pessoas que precisavam de consultas regulares, de tratamentos, fisioterapia, viram essas consultas e tratamentos suspensos. E tenho algum receio das consequências que isso terá para a saúde delas.

Mesmo sabendo que a doença covid-19 é um pouco desconhecida ainda, e que diariamente se obtêm novos conhecimentos, importa realçar que o desempenho das minhas funções obedece ao cumprimento rigoroso de um conjunto de procedimentos de desinfeção, limpeza e equipamentos de proteção individual e que está garantida a segurança de todos os doentes, pelo que todas as pessoas podem e devem continuar a confiar em nós. E, se puderem, não devem atrasar as necessárias idas a todos os serviços de saúde. Ainda há tempos um homem que andava havia vários dias com uma dor no peito, e foi adiando a ida às urgências, acabou mesmo por cair para o lado. 

No corpo de bombeiros temos ambulâncias só dedicadas à covid; desta forma garante-se uma diferenciação que não permite contacto entre doentes ou superfícies eventualmente contaminadas. 

A nível pessoal continuo a desempenhar as minhas funções diariamente com um sentido de responsabilidade ainda mais acrescido, uma vez que estou inserido num grupo de risco e em contato por vezes com a população mais vulnerável. Ainda que, por vezes, o medo possa assombrar nas nossas vidas e nos faça temer podermos ser agentes ativos de contaminação, quer no nosso trabalho, quer nas nossas vidas pessoais, nunca podemos esquecer que o nosso lema é “Vida por vida”.

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