Covid-19: proposta de medidas fiscais adicionais

O facto de a maioria dos impostos se conduzirem por uma regra de anualidade permite que, nos próximos meses, se proceda a uma reflexão sobre a introdução de novas medidas fiscais.

É absolutamente consensual que a fiscalidade é um dos instrumentos mais eficazes no combate aos efeitos económicos negativos sentidos em cenários de catástrofe ou de emergência. Efetivamente, em economias – praticamente todos os países no âmbito da OCDE – cujas receitas fiscais dependem de tributos sobre o rendimento (essencialmente das empresas) e sobre o consumo (essencialmente dos particulares), mais a mais alicerçadas em complexas regras de obrigações declarativas, a mera introdução temporária de medidas desagravadoras, ou suspensão de medidas agravadoras, pode ter um impacto muito positivo.

É certo que, no contexto atual provocado pelo COVID 19, têm vindo a ser aprovadas diversas medidas fiscais destinadas a mitigar esse impacto negativo, as quais, na maioria dos casos, se consubstanciam no alargamento excecional dos prazos para o cumprimento de obrigações declarativas e outras obrigações de cumprimento (também designado por Compliance, abarcando, na sua conceção mais ampla, não só declarações, pagamentos antecipados, bem como retenções na fonte). Também foram aprovadas, é bom notar, regras excecionais para o pagamento de alguns impostos sem que sejam cobrados juros ou coimas.

Todavia, o facto de a maioria dos impostos se conduzirem por uma regra de anualidade permite que, nos próximos meses, se proceda a uma reflexão sobre a introdução de novas medidas fiscais. As linhas que se seguem têm, pois, como objetivo identificar alguns temas e matérias nas quais a introdução de alterações extraordinárias ajudariam a minorar os impactos negativos decorrentes da redução de atividade e consequente redução de receita para empresas e particulares. As áreas e as medidas são as seguidamente elencadas, e resultam da experiência combinada de ambos os signatários com dezenas de anos de experiência como fiscalistas. São áreas e medidas particularmente sensíveis em épocas de dificuldade económica, e focam-se, sobretudo, nas componentes negativas dos impostos, como sejam os custos, perdas e prejuízos.

  1. Pagamentos antecipados de IRC e Derrama Estadual

Entendemos como muito relevante a possibilidade de, em e durante 2020, os sujeitos passivos de IRC serem dispensados do 3.º, mas também do 1.º e do 2.º pagamentos por conta de IRC (à semelhança do que a lei já prevê quanto aos pagamentos por conta de IRS). Da mesma forma, sustentamos a importância de se permitir que não se efetuem também os pagamentos adicionais por conta da Derrama Estadual, nem os pagamentos especiais por conta de IRC. Com efeito, uma vez que estes pagamentos por conta do IRC e da Derrama Estadual, apesar de serem referentes a 2020, são calculados com base em valores apurados relativamente ao ano de 2019 (valores da coleta de IRC, do lucro tributável de IRC e volume de negócios, todos de 2019) parece-nos, face à enorme alteração/degradação das atuais condições económicas por comparação às verificadas em 2019, ser de elementar justiça que, durante o ano de 2020, os sujeitos passivos de IRC fiquem dispensados de efetuar pagamentos por conta deste imposto e de Derrama Estadual.

  1. Prejuízos fiscais

É inquestionável a importância do alargamento do prazo de reporte dos prejuízos fiscais em épocas de crise, sendo que se admite como ajustado um prazo de 12 anos aplicável a todos os sujeitos passivos de IRC relativamente aos prejuízos gerados em 2020 e exercícios seguintes. Adicionalmente, importa equacionar, no apuramento da matéria coletável de IRC relativa ao ano de 2020, em curso, e aos 3 exercícios subsequentes, não ser aplicável a limitação da dedução dos prejuízos fiscais reportáveis até 70% do lucro tributável em que a dedução opera.

  1. Dedutibilidade dos encargos financeiros líquidos

Igualmente com um potencial impacto significativo, sugere-se a derrogação, para efeitos do apuramento do resultado tributável de IRC, referente ao ano de 2020 em curso e aos 3 exercícios subsequentes, da limitação à dedutibilidade dos encargos financeiros líquidos ou, a não ser viável a derrogação integral deste regime no período mencionado, a fixação de uma percentagem superior aos atuais 30%.

  1. Imposto do Selo nos juros e comissões em financiamentos bancários

Também relacionado com o incremento do recurso ao crédito gerado pela presente pandemia, seria importante equacionar a possibilidade de os juros e comissões cobrados até ao final do ano de 2020, em curso, no âmbito de financiamentos bancários beneficiarem de uma isenção excecional de Imposto do Selo.

  1. Perdas por imparidades de créditos

Dedutibilidade para efeitos de IRC das perdas por imparidades de crédito que tenham sido contabilisticamente registadas em 2020 nos seguintes termos: após decorridos três meses de mora é reconhecida a perda por imparidade correspondente a 50% do valor do crédito e após decorridos três meses adicionais, é reconhecida a perda por imparidade correspondente aos restantes 50%. Prever-se-ia, por conseguinte, uma aceleração do reconhecimento, para efeitos de IRC, das perdas por imparidade de créditos, face ao regime em vigor, que apenas permite o reconhecimento da perda correspondente a 50% do crédito após decorrido um ano de mora e os 100% após decorridos dois anos.

Por outro lado, este regime seria aplicável, quer às situações em que ocorreu uma suspensão ou redução da atividade por parte do devedor em mora decorrente de uma imposição legal/administrativa (e em que, designadamente, é legalmente previsto um regime ‘forçado’ de moratória, como sucede com o regime previsto na Lei 4-C/2020, de 6 de abril, referente a créditos em mora de rendas de imóveis), quer às situações em que tal suspensão ou redução drástica da atividade por parte do devedor em mora não decorre de uma imposição legal/administrativa, mas sim do confinamento imposto à generalidade dos setores de atividade e à generalidade da população, o que resulta numa quebra drástica da procura/dos clientes, como é o caso, por exemplo, dos setores hoteleiro e da aviação (e em que poderá existir uma moratória, não imposta por lei, mas sim negociada entre credor e devedor).

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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