E agora, senhora Economia? Precisas de uma vacina?

No regresso ao “novo normal”, a senhora economia precisa de uma vacina com doses elevadas de responsabilidade e sustentabilidade. Uma vacina que simplifique os níveis de complexidade que teimamos lançar para cima da tríade economia, pessoas e ambiente.

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LUSA/JEROME FAVRE

Parte da economia altamente poluente e ecologicamente insustentável ficou suspensa ao longo das últimas semanas em todo o mundo. Segue-se, como em tantas outras alturas da história, a retoma, mas desta vez com algumas certezas que fingíamos não conhecer. Exploremos algumas delas. Perante ameaças, os governos e as suas entidades públicas têm capacidade para implementar medidas extremas. A ciência pode e deve guiar a implementação e gestão destas medidas. As pessoas conseguem adaptar-se a novos estilos de vida impostos pelos governos. Os sistemas económicos, sociais e naturais vivem numa ligação umbilicalmente interdependente — ou, por outras palavras, economia, pessoas e ambiente são um todo.

Com estas certezas, temos o dever de evitar uma recuperação insustentável. No regresso ao “novo normal”, a senhora economia precisa de uma vacina com doses elevadas de responsabilidade e sustentabilidade. Uma vacina que simplifique os níveis de complexidade que teimamos lançar para cima da tríade economia, pessoas e ambiente. Como se fosse impossível a economia ter um propósito, um propósito real com dois nomes: sociedade e natureza.

Se a economia fosse uma senhora de carne e osso já tinha percebido muitos detalhes do mundo em que vivemos. Que os problemas sociais e ambientais são problemas económicos. Que o planeta tem capacidades limitadas para satisfazer os desejos ilimitados das pessoas. Que o planeta precisa de décadas, séculos, para regenerar. Que a evolução das sociedades é construída ao longo de várias gerações. Que as estratégias e planos de crescimento a longo prazo são incontornáveis. Se fosse mesmo uma senhora, a economia chegaria rapidamente a duas humildes conclusões: tenho tanto a aprender com a evolução e adaptação do sistema natural e tenho tanto a aprender com as pessoas que sabem como fazer do mundo um local muito melhor para viver.

Desenhar novos modelos económicos que reconhecem a importância de cuidar das pessoas e do ambiente tem de deixar de ser uma miragem. Mitigar as ameaças das alterações climáticas, da perca da biodiversidade e das pandemias é papel de todos, inclusive da economia. Os elevados montantes prometidos para a recuperação global pós covid-19 têm que servir para repensar o modelo de crescimento económico actual e proceder a uma “limpeza” da economia, tornando-a mais verde, circular, neutra em carbono e muito mais resiliente às alterações climáticas. Seria assim uma economia tão, mas tão mais próxima e amiga das pessoas.

Aguardar pela vacina aplica-se a pandemias, mas não à economia. Já sabemos o que há a fazer, temos a oportunidade e o dinheiro para lançar as bases para o sucesso, mas teremos mesmo vontade de criar modelos económicos baseados na prosperidade da sociedade e do planeta? Conseguiremos ter agora, neste momento decisivo, a responsabilidade que nos tem faltado até então?

A covid-19 mostrou-nos que somos muito rápidos a implementar medidas e que, na maioria, somos cumpridores. Não é só e apenas isto que precisamos para fortalecer o cordão umbilical entre a economia, o ambiente e as pessoas? Ou dá menos trabalho transformar esta rentrée em mais uma silly season?

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