Placa ameaçando com covid-19 é táctica para fechar caminho municipal no Alentejo

Colocar uma placa com a inscrição “Zona de quarentena covid-19” foi o estratagema usado por empresário espanhol para evitar que as pessoas de uma aldeia alentejana circulassem por caminho municipal que atravessa a exploração mas que é percorrido pela população há décadas para chegarem às suas terras.

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Na última quarta-feira, Francisco Rosa Rodrigues, pequeno agricultor na aldeia de Trindade, no concelho de Beja, dirigia-se na sua viatura para uma das courelas que possui próximo da povoação onde ia ceifar aveia para a produção de feno. Para lá chegar tem de seguir por um caminho que atravessa a Herdade da Chaminé, propriedade de Fernando Manuel Sousa Uva Pessanha Barbosa. Só que, desta vez, foi surpreendido com a colocação de uma corrente e de uma placa de trânsito a indicar sentido proibido no traçado que dá acesso às suas terras. Achou estranho. Mas como não tinha tempo para indagar o que se passava, deu uma volta para encontrar uma estrada alternativa. Mas esta também estava bloqueada com um portão de ferro que atravessava a estrada de terra batida em toda a sua largura. Saiu da carrinha e observou que a estrutura metálica tinha presa para além de outro sinal de sentido proibido, uma placa com uma informação que considerou intimidatória e absurda: “Zona de quarentena covid-19”.

Quando se preparava para retomar a marcha em sentido inverso, aparece um todo-o-terreno a barrar-lhe o caminho e um “rapazola” a gritar: “o que é que o senhor está fazendo aqui em terreno privado?” Francisco Rodrigues lembrou-lhe que o caminho já tinha “centenas de anos” e que sempre o conhecera, ele que tem 74 anos, “como sendo do povo”.

Não é a primeira vez que a população de Trindade está confrontada com a colocação de portões em caminhos que sempre utilizou. Mas o problema aprofundou-se assim que a exploração foi arrendada no final de 2018, por um período de 25 anos, pelo proprietário Fernando Sousa Uva Barbosa ao empresário espanhol Diego Varona Fidalgo, que fundou a empresa Vistosas Planícies para plantar 390 hectares de olival e 60 hectares de amendoal.

Em Março de 2019, os trabalhos de preparação do terreno para o plantio das árvores levaram ao corte das valas de drenagem e ao estreitamento do caminho público. No terreno “conquistado” ao espaço público (uma linha de água incluída), foram plantadas oliveiras, mudanças que o PÚBLICO confirmou.

A intervenção efectuada pela empresa de Diego Fidalgo alterou parte do traçado da estrada que ficou a atravessar o leito de uma albufeira. Zonas de drenagem e aquedutos também foram danificados. “E agora, quando chove, não se consegue chegar às nossas terras. Só quem tem um carro com tracção”, refere o agricultor, descrevendo o fio condutor dos acontecimentos que continuam a alimentar os conflitos com o proprietário e o rendeiro da Herdade da Chaminé.

Estrada alterada

Há mais de um ano, Francisco Rodrigues apresentou a primeira denúncia verbal sobre o que se estava a passar com o caminho municipal. A seguir enviou um abaixo-assinado ao presidente da Câmara de Beja a reclamar uma intervenção dos serviços municipais. Na sequência dos protestos, o vereador Luís Miranda endereçou, em Fevereiro do ano passado, um ofício em que dava um prazo de quinze dias ao proprietário para parar com os trabalhos que afectaram a estrada e a proceder às necessárias reparações. O município assumiu que “houve de facto uma intervenção mas ficou incompleta”.

Fernando Sousa Uva Barbosa garantiu ao PÚBLICO que “a estrada foi devidamente arranjada”, admitindo, contudo, que o seu traçado “foi alterado para optimizar o olival e os equipamentos mecânicos”. Este tipo de solução é adoptada “sempre que se faz qualquer alteração agrícola”, observa o proprietário da Herdade da Chaminé, recusando-se a considerar que se trate um caminho municipal. No entanto, num ofício da Câmara de Beja, datado de 29 de Março de 2019, está dito que “decorre o procedimento que visa a reposição inicial e, neste sentido, as condições de segurança do caminho municipal nº 1063”.

Numa das últimas reuniões do executivo municipal antes da declaração do estado de emergência, o vereador Luís Miranda voltou a garantir que o “proprietário se tinha comprometido a recuperar o que foi destruído”. Disse que a capacidade de actuação da autarquia “é a que é” mas considerou que “a melhor forma de actuar é falar com as pessoas”.

As queixas da população de Trindade, junto da autarquia, prosseguiram até ao presente sem que houvesse alteração no comportamento da empresa Vistosas Planícies. Até que na passada quarta-feira, Francisco Rodrigues se deparou com a placa: “Zona de quarentena covid-19”.

Fernando Sousa Uva Barbosa alegou que “foi o empreiteiro” envolvido na recuperação de um dos montes da herdade “que colocou a placa para acabar com o roubo de materiais”. Instado a comentar o recurso a uma mensagem que poderia ser geradora de medo na população idosa da aldeia, vai acertando respostas: “Até achei piada quando me apresentaram a ideia”, disse num primeiro momento mas, mais adiante, considerou que a sua colocação com o propósito de acabar com “a devassa do monte é própria de esperteza saloia.”

Na tarde desta terça-feira, o portão da polémica continuava no lugar e mantinha o sinal de sentido proibido. Um funcionário da empresa adiantou que só seria encerrado à noite. A placa que declarava a exploração “Zona de quarentena Covid-19” foi entretanto retirada.

O PÚBLICO procurou obter esclarecimentos de Diego Fidalgo mas na sede da empresa Vistosas Planícies, em Beja, foi dada a indicação de que ali só tratava da contabilidade e que não era possível facultar contacto telefónico.

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