Morreu o psicanalista que destruiu o mito de que a homossexualidade era doença — e curável

O norte-americano Richard Friedman, que ficou conhecido por ter demonstrado que a homossexualidade era uma questão biológica e não de comportamento, morreu aos 79 anos.

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O trabalho de Friedman foi essencial para uma mudança de paradigma social sobre a homossexualidade, mas sobretudo científico REUTERS/Charles Platiau

Em 1988, o Muro de Berlim ainda não tinha caído, Ayrton Senna foi pela primeira vez campeão mundial de Fórmula 1 e o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo era algo que, estava meio mundo ou mais certo, nunca viria a acontecer. Mas, nesse mesmo ano, houve um evento que alterou o curso da história das sociedades ocidentais: a publicação de Male Homosexuality: A Contemporary Psychoanalytic Perspective, onde o psicanalista Richard Friedman contestava a, até então, vigente teoria de que a homossexualidade seria um comportamento desviante, demonstrando que a mesma tem origem na biologia dos seres. E, ainda em 1988, foi criada nos Estados Unidos o “The Coming Out Day” — Dia de Sair do Armário, pela iniciativa de outro psicólogo, Robert Eichberg, e pela activista lésbica Jean O’Leary.

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Richard Friedman, no dia do seu 79.º aniversário, em Janeiro, durante o jantar de família no seu restaurante favorito: o Keene’s Chop House, em Manhattan, Nova Iorque Cortesia Susan Matorin

O trabalho de Friedman foi essencial para uma mudança de paradigma social, mas sobretudo científico. Eram tempos em que a homossexualidade era legislada por muitos países como uma “anormalidade”, vivendo à margem da sociedade e desamparada pela religião. E também a nível da Organização Mundial da Saúde (OMS), que a encarava, desde 1977, como uma​ doença mental — viria a ser retirada do rol de patologias elaborado por aquele organismo a 17 de Maio de 1990​.

Licenciado pelo Bard College, Rochester Medical School e Columbia Psychoanalytic Institute e professor clínico no Weill Cornell, Richard Friedman era um “psiquiatra psicodinâmico dotado, com pacientes a sublinharem como ele ‘transformou as suas vidas’ ou a comentarem ‘sou quem me tornei por causa dele’”, escreveu a família, num texto publicado no New York Times, no dia 3 de Abril.​ No mesmo artigo, refere-se a sua relevância “no que diz respeito ao seu trabalho pioneiro no campo da orientação sexual, onde foi um construtor de pontes entre a ciência biológica da psiquiatria”, mas também se acrescenta notas mais pessoais de uma personalidade que sempre fugiu das luzes da ribalta: “Foi um amante da literatura toda a vida, um apaixonado pela história, um pianista dotado — e odiava brócolos.”

Richard Friedman era casado com Susan Matorin, assistente social clínica na área da psiquiatria no Weill Medical College da Universidade de Cornell, de quem tinha um filho, Jeremiah, pelo qual, explica o obituário no New York Times, tinha “orgulho, admiração e um profundo respeito”. Friedman deixou ainda duas filhas de uma relação anterior​.

A morte do psicanalista, a 31 de Março, acabou por passar quase despercebida devido ao contexto excepcional que o mundo vive — com especial ênfase nos EUA, onde já existem mais de um milhão de casos identificados de covid-19.

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