Antigamente não era (sempre) bom

Os nossos filhos são de agora. Este é o tempo deles. Retroceder não pode ser a nossa escolha, não deve ser o caminho.

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Rui Gaudencio

Ao longo dos últimos três anos tenho assistido, com muita incredulidade e muitos nervos à mistura, ao fortalecimento do movimento a que costumo chamar “antigamente é que era bom”. E se é fácil encontrar seguidores deste mantra em diversos grupos por essa Internet fora, nos grupos sobre maternidade estas questões tomam uma dimensão de tal ordem que me deixam quase sempre de queixo caído e com uma pálpebra a tremelicar.

Confesso que é raro o dia em que não veja uma apologia ao tempo dos nossos avós ou um hino à beleza dos anos em que, segundo esta corrente, se comia melhor, as crianças tinham mais liberdade e toda a gente era mais feliz. Uma pena que, no meio de tanta poesia, se esqueçam de referir que, em 1960, por exemplo, por cada mil crianças nascidas, 77 morriam antes de completar um ano de vida. Ou que deixem de fora aquele pormenor quase irrelevante de que a nossa esperança média de vida actual passa dos 80 anos e que, em 1970, o final se começava a desenhar por volta dos 67. Minudências, não é?

Reparem, eu confesso que percebo o saudosismo. Nasci em 1986 e faço parte da geração que brincava na rua sem medos, que ia para a escola a pé com amigos e que ainda viveu longe das tecnologias. Olho muitas vezes para os meus filhos e penso que eles nunca terão a liberdade que eu tive. Mas também sei que eles terão outras coisas, também não me esqueço que eles terão oportunidades que a minha geração e as que a antecederam jamais tiveram. No ano em que nasci, por exemplo, pouco mais de 10% dos rapazes podiam ambicionar formação superior. Já no ano em que nasceu o meu filho mais novo estavam inscritos nas universidades portuguesas mais de 45% dos rapazes com idade para a frequência universitária.

E já nem quero entrar em questões directamente relacionadas com saúde porque aí, nesse ponto concreto, a diferença é abismal. Não pretendo ser aborrecida com números e, como tal, vou poupar-vos a mais dados mas… Os nossos filhos têm sorte, muita sorte, por terem nascido num tempo em que muitos já desconhecem o significado de palavras como varíola ou difteria. Aliás, acreditem que é exactamente por isso que tantas lunáticas alimentam agora as teorias da conspiração antivacinas. Querem apostar que se as nossas crianças continuassem a ter poliomielite elas não perdiam tempo a inventar disparates e corriam para os centros de saúde mal a vacina fosse anunciada?

É verdade que os nossos filhos passam muito tempo agarrados aos telemóveis e aos tablets mas… Eles nasceram no século XXI e pertencem à geração mais tecnológica de sempre. O que mais seria de esperar? Ainda me lembro da minha avó materna, que teria 104 anos se fosse viva, “torcer o nariz” quando me via, pequenina, em frente à televisão. Acredito que ela, trabalhadora rural no Alentejo profundo, achasse que aquilo era, no mínimo, uma invenção do próprio diabo e que tivesse como fim último destruir a cabeça das criancinhas. Mas a minha avó nunca estudou, não sabia ler ou escrever... Nós, mulheres e mães de agora, temos a obrigação de olhar para as coisas de outra forma e perceber que a evolução, mais do que apenas favorável, é desejável.

Os nossos filhos são de agora. Este é o tempo deles. Retroceder não pode ser a nossa escolha, não deve ser o caminho. Ao longo dos últimos anos fizemos avanços gigantescos, erradicámos doenças, ganhámos anos de vida e vida com qualidade. A sociedade abriu a todos as portas que apenas existiam para alguns e tornou-se mais justa e equilibrada. É verdade que os nossos filhos já não brincam tanto na rua ou vão a pé para a escola. Mas pesando os prós e os contras, sabem o que vos digo? Não era antigamente que era bom. É agora.

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