Covid-19, gestão de risco e o “novo normal”

Os impactos económicos, financeiros e sociais que a atual pandemia está a provocar na economia portuguesa, em especial no tecido empresarial português, vem convocar a atenção dos gestores para a necessidade de desenvolverem e de colocarem em prática estratégias adequadas aos elevados níveis de exposição a riscos. As empresas que já possuam tal instrumento de gestão poderão definir estratégias mais eficazes de mitigação, permitindo assim ultrapassar a atual turbulência mais rapidamente e com menor perda de valor.

Num quadro de elevada incerteza e volatilidade, a gestão de risco assume um papel cada vez mais decisivo para as organizações, devido, por um lado, ao elevado número e complexidade dos fatores de risco a que as suas atividades as expõem e, por outro lado, à oportunidade que a evolução técnica e a inovação tecnológica propiciam, disponibilizando instrumentos capazes de os gerir.

Tal processo passa pela implementação de estratégias de gestão de risco empresarial integradas, que identifiquem, analisem e preparem medidas de gestão e mitigação de riscos com impacto nos objetivos e na atividade da organização. E não se pretende olhar apenas para riscos financeiros, mas também para riscos operacionais, de mercado, tecnológicos e macroeconómicos.

Mas esta estratégia não exige apenas às organizações que identifiquem que riscos enfrentam e quais os que devem gerir de forma ativa, envolve também a aferição dos seus efeitos esperados, e o consequente desenvolvimento de planos de ação integrados nos diferentes componentes que integram os seus planos de negócio: os orçamentos anuais e plurianuais e, no caso das empresas com ações cotadas em bolsa, nos seus relatórios anuais de gestão e contas.

Do ponto de vista financeiro, esta crise vem chamar a atenção para que ‘cumprir os serviços mínimos’ em termos de gestão orçamental, como a elaboração de orçamentos anuais, de orçamentos de tesouraria e de planos de financiamento, pode revelar-se insuficiente, sobretudo em estados mais adversos da economia. Pelo que, a implementação de modelos integrados de gestão de risco, dos mais simples, como a análise de cenários, aos mais desenvolvidos analiticamente, como técnicas de simulação, ou de, para empresas não-financeiras, modelos de ‘cashflow@value-at-risk’, se torna fundamental.

O desenvolvimento, aquando da elaboração do orçamento anual, de cenários alternativos, nomeadamente extremos (stress testing, na gíria anglo-saxónica), permite que em momentos de crise, como os que estamos a viver, se pense estrategicamente, se possa refletir sobre novos modelos operacionais, capazes de criar valor, e não somente na elaboração do próximo orçamento retificativo.

As empresas que desenvolveram orçamentos com planos de financiamento robustos, são aquelas que já prepararam planos de contingência a nível operacional e financeiro e estarão mais habilitadas a responder perante cenários adversos, de forte redução da atividade e de elevadas restrições de tesouraria. Estarão, também, mais preparadas para aproveitar estes momentos de crise como uma oportunidade, para melhor se adaptarem ao contexto e se focarem no essencial.

Vejamos o exemplo da gestão financeira de curto prazo. Nas tarefas do dia-a-dia, o gestor financeiro tem a responsabilidade de gerir o fluxo de tesouraria, de modo a assegurar que eventuais gaps operacionais ou das atividades de investimento sejam cobertos por financiamento. O assunto é tanto mais importante quanto, se não o conseguir, possa interromper o abastecimento normal de recursos à empresa e suspender o processo produtivo. A gestão da tesouraria é sobretudo um processo de ajustamento granular, intimamente relacionado com os níveis e necessidades de capital circulante da organização. Convém não esquecer que a dimensão temporal do processo produtivo implica que os fluxos de pagamentos e de recebimentos não são coincidentes. Circunstâncias existem, também, em que é possível adotar estratégias produtivas e comerciais que promovam a sincronização dos fluxos de tesouraria. Contudo, este modelo de gestão só é possível de implementar em situações de crise se, em sede do processo orçamental, as organizações elaborarem os já referidos planos de contingência, incorporando cenários extremos nos seus orçamentos de tesouraria.

O regresso ao ‘novo normal’ deve ser visto como uma oportunidade para corrigir erros do passado e implementar estratégias integradas de gestão de risco empresarial. Não nos esqueçamos que o risco sempre esteve no centro de qualquer negócio, qualquer empresa que realiza um investimento, que exporta, que investe no desenvolvimento de uma nova tecnologia, enfrenta riscos, os quais têm que ser, necessariamente, geridos sob pena de colocarem o seu ‘cash-flow at risk’...

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