Morreram 46 presos numa prisão venezuelana - foi um motim ou um massacre da polícia?

Várias organizações, entre as quais o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, pediram uma investigação sobre actuação das forças policiais na prisão de Los Llanos.

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Os familiares dos reclusos mortos acusam o Governo venezuelano de mentir sobre terem reagido a uma tentativa de fuga da prisão Reuters
,Venezuela
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A polícia que guarda a prisão Reuters

Dezenas de corpos, cobertos de sangue e com os braços estendidos, estão dispostos de forma desorganizada no chão da prisão de Los Llanos, no estado Portuguesa, na Venezuela. Eram reclusos que, desesperados pelas condições na prisão e proibição das visitas de familiares, protestaram e foram baleados. Foram mortos 46 e mais de 70 feridos e as autoridades dizem ter reagido a uma tentativa de fuga, versão recusada pelos familiares que dizem ter sido um “massacre”. 

Organizações de direitos humanos já pediram uma investigação às razões do motim e actuação das forças da polícia. “Apelamos às autoridades que abram uma investigação minuciosa, que evitem a sobrelotação [nas prisões] e garantam os direitos básicos” dos reclusos, disse no Twitter a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. 

A Amnistia Internacional, pela voz da directora da organização para a América, Erika Guevara-Rosas, também se juntou ao apelo de abertura de uma investigação e relembrou “que não é a primeira vez que se vêem presos na Venezuela a sofrerem terríveis violações do seu direito à vida”. “As imagens grotescas que estão agora a ser emitidas por todo o mundo servem como lembrete de que todos os responsáveis por esta injustiça devem ser levados à Justiça”, disse em comunicado. 

A situação já era preocupante nas prisões venezuelanas, sobrelotadas e sem condições de higiene, e a pandemia de covid-19 aumentou ainda mais os riscos para os presos e a possibilidade de motins, um fenómeno recorrente. Para tentar conter a propagação do vírus, o Governo venezuelano decretou o confinamento em todo o país e proibiu as visitas aos familiares dos reclusos, atiçando ainda mais os ânimos. 

É que os familiares são a principal fonte de bens alimentares dos reclusos, porque a comida é de muito baixa qualidade, e a proibição das visitas foi a última gota num mar de descontentamento: queixavam-se da falta de condições nas prisões e do medo de serem infectados. Os reclusos da prisão de Los Llanos, a 500 km de Caracas, protestaram e, sem serem ouvidos, entraram em desespero vivem 2500 numa prisão para 700. Amotinaram-se e muitos tinham como o fazer, uma vez que tinham armas de fogo nas suas celas, dizem as autoridades.

Terão avançado contra os guardas prisionais, esfaqueando o director da prisão, e assumiram o controlo da cadeia, dizem as autoridades que lhes montaram cerco. Quando mais de uma centena de reclusos tentou fugir pela porta da frente, atirando uma granada que feriu o comandante dos guardas prisionais, a polícia abriu fogo de forma indiscriminada. Mataram 46 e mais de 70 prisioneiros ficaram feridos, entretanto transportados para o hospital mais próximo, diz a Amnistia Internacional.

"Mataram-nos à vista"

Mas os familiares das vítimas contestam esta versão e acusam as autoridades de terem massacrado os reclusos e de mentirem sobre uma suposta tentativa de fuga. "Os reclusos foram objecto de um massacre. Queremos negar perante as redes sociais que não houve tempo para uma tentativa de fuga”, garantiu aos jornalistas Adriana Leandro, familiar de um dos reclusos. 

Chamado à prisão para identificar o cadáver do seu filho, Victor Calderón fê-lo com base numa fotografia mostrada num computador. ​"É impossível, é indescritível a forma como essas pessoas [as autoridades] agiram contra estes rapazes, mataram-nos à vista, foi um massacre o que fizeram”, disse, revoltado, Calderón aos jornalistas.

A presidente do Observatório das Prisões Venezuelanas, Beatriz Giron, disse à Reuters que a versão das autoridades não faz sentido: “É difícil acreditar que à uma da tarde, em plena luz do dia, os reclusos tentassem escapar pelo portão da frente”. 

A deputada estadual María Beatriz Martínez também garante não ter havido uma tentativa de fuga, mas sim um protesto a que as autoridades responderam abrindo fogo indiscriminadamente e que querem enterrar os corpos em valas comuns, dizendo mais tarde aos familiares onde se encontram.

“Os familiares não estão a ser autorizados a examinar fisicamente os corpos. Dão-lhes alguns álbuns de fotos para os reconhecerem. Mostram-lhes uma foto da cara. Aparentemente, não querem que o estado deplorável dos corpos do massacre seja conhecido ou visto. Isso é uma clara indicação de violação de direitos humanos”, disse ao El Diario a deputada. 

A América Latina tem uma população prisional na ordem dos 1,5 milhões de pessoas e o receio de o coronavírus chegar às celas é uma das grandes preocupações das organizações de saúde e de direitos humanos na região. Alguns estados, como o Chile e a Colômbia, já libertaram alguns milhares de presos para diminuir a sobrelotação, enquanto outros pouco ou nada têm feito para evitar o contágio. 

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