Gente feliz com lágrimas: lar do Montijo estreia box para encontros de famílias em Dia da Mãe

“Olha mãe, sempre que der eu venho”, promete Rosália Ferreira a Alexandrina Charneco, de 93 anos. Foi a primeira visita em quase dois meses de confinamento. Neste lar há uma box de emoções e um túnel de descontaminação.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

Alexandrina Charneco, de 93 anos, sorri para a filha, mostrando que, apesar da confusão que já lhe tolda o conhecimento, está consciente da presença da filha e do genro, na primeira visita que recebe, após quase dois meses de confinamento no lar da União Mutualista Nossa Senhora da Conceição.

A família teve a sorte de ser a primeira a beneficiar do novo método que a instituição particular de solidariedade social (IPSS), do Montijo, estreou este domingo, para que os 90 idosos possam receber visitas.

A filha, Rosália Ferreira, de 71 anos, chega acompanhada do marido, de 70, que anuncia logo que o dia é especial também para o casal. “A minha mulher não sai de casa desde dia 17 de Março”, informa Joaquim José Ferreira.

Quando entram na cabine de comunicação, denominada “box das emoções”, os sentimentos conseguem atravessar o vidro que os separa e a visita termina em lágrimas.

 “Alexandrina, então como é que isso está?”, grita o genro. Perante o silencio da idosa é a auxiliar que responde. “Ela hoje só tem olhos para a filha”, diz a profissional que acompanha, do lado de dentro.

“Olha mãe, sempre que der eu venho”, promete a filha, visivelmente emocionada, à mãe, que foi comerciante. Manteve, durante muitos anos, uma loja de artigos de bebé. “Sempre que me derem oportunidade, eu venho, porque antes já vinha todos os dias. Sinto falta disso. É melhor do que por vídeo-chamada”, explica Rosália Ferreira, já fora da cabine, ao PÚBLICO.

O marido não se esquece de deixar o reconhecimento à instituição. “Agradecemos à organização por esta oportunidade, à militância da administração e do pessoal”, diz Joaquim Ferreira.

Sobre os próximos dias, em que pessoas com a idade de Rosália e do esposo são aconselhadas a manter o confinamento, o casal mostra-se resignado. “Vamos aguentar até que Deus queira”, refere Rosália Ferreira. E explica que passa o tempo “a fazer trabalhos em casa”, que geralmente não faz. O contacto com os três netos é só por vídeo-chamada.

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A preocupação com os que estão cá fora

Após a saída da primeira família, chega uma outra, para a visita seguinte. Há um compasso de espera, para que os profissionais do lar possam preparar e trazer a próxima idosa.

Maria Antónia, de 66 anos, que vem acompanhada da sobrinha, tem um terceiro motivo para visitar a mãe nesta data. Isabel Maria Barreto faz hoje 89 anos de idade e o aniversário soma-se ao desejo de reencontro depois da prolongada distância e ao Dia da Mãe.

A família é maior, mas o filho e a nora de Isabel Barreto só podem entrar depois, porque a cabine só permite a presença de duas pessoas de cada vez.

Para assinalar o dia feliz, a filha traz “uns mimos” para oferecer à mãe. “Umas amêndoas, de que ela gosta muito”. A idosa agradece a oferta e reconhece a filha.

“Está desejando que isto acabe para poder ir a casa. Ia todos os fins-de-semana, aos domingos, e agora há mais de um mês que fica cá”, conta Maria Antónia. Apesar de confinada, Isabel Barreto mostra preocupar-se sobretudo com o bem-estar da família, mais do que com ela própria.

“Ela diz que termos cuidado, que ela fica bem, que fazem companhia umas às outras”, relata ainda a filha.

O lar, que foi dos primeiros do país a proibir visitas aos idosos, dois dias antes da medida ser aconselhada pela Direcção-Geral de Saúde (DGS) é agora também dos que avançam mais rapidamente com um sistema que permite o reencontro familiar.

Box de emoções

A “box das emoções” permite seis visitas diárias, três de manha e outras tantas à tarde. “Todas as visitas são marcadas, porque tem de se preparar tudo, uma vez que há pessoas no terceiro andar, ou podem estar deitadas, etc”, explica o presidente da União Mutualista ao PÚBLICO.

Segundo Pedro Santos, assim que a ideia foi divulgada, a instituição começou “logo” a receber contactos dos familiares. “A receptividade tem sido fantástica”, afirma.

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“Estamos a contactar os familiares de forma a preencher o calendário da próxima semana. Todos querem vir hoje, por ser Dia da Mãe e o primeiro dia destas visitas, por isso tivemos que sortear”, acrescenta Pedro Santos.

Sobre a falta de medidas públicas que permitam vislumbrar o fim do confinamento para os idosos que vivem em lares, o presidente da instituição mostra compreensão. “Não vejo qualquer discriminação. É normal porque esta é a população mais vulnerável. Temos de salvaguardar a segurança destas pessoas e dos funcionários”.

Além da nova cabine, para encontros familiares, a IPSS inovou também com a colocação de um túnel de descontaminação, por onde passam os funcionários quando entram ao serviço.

O túnel foi concebido e produzido por uma empresa também do Montijo, a Full Quest, e, segundo o empresário responsável, o sistema, que funciona com base na nublização – descarga de partículas sobre quem atravessa o túnel – permite a “descontaminação a 60%”.

O aparelho, certificado pela DGS, usa “peróxido de hidrogénio com ácido paraciético”, precisa Fernando Maia. O empresário revela que as inovações produzidas pela Full Quest já despertaram o interesse de uma multinacional.

A União Mutualista do Montijo, com capacidade para 90 idosos, 28 nos cuidados continuados e 62 no lar, já fez 105 teste a funcionários. “A operação contou com o apoio da Câmara do Montijo, e todos os testes deram resultado negativo”, conclui Pedro Santos.

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