Johan Giesecke, epidemiologista sueco: “O número de mortes por covid-19 será quase o mesmo em todos os países europeus”

Vamos todos ser suecos nos próximos meses, afirma o médico e epidemiologista Johan Giesecke. O modelo que foi olhado com desconfiança desde que o Reino Unido o abandonou é para onde os países estão a olhar agora, quando planeiam a reabertura.

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Andreas Andersson/Karolinska Institutet
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O cientista Johan Giesecke é consultor da Agência de Saúde Pública da Suécia e da Organização Mundial da Saúde Andreas Andersson/Karolinska Institutet

Não vai ser fácil sair do confinamento obrigatório em que boa parte do mundo mergulhou devido à covid-19, alerta o médico e epidemiologista sueco Johan Giesecke, professor emérito do Instituto Karolinska, em Estocolmo. Consultor da Agência de Saúde Pública da Suécia, que ajudou a definir para este país escandinavo uma estratégia em sentido contrário à maioria dos países europeus, explica numa entrevista ao PÚBLICO as razões dessa dificuldade: “Nenhum país europeu tinha uma estratégia de saída quando instalou as medidas de confinamento.” A Suécia registava 2462 mortos — um pouco mais do dobro de Portugal — e 20.302 infectados, números de 29 de Abrilnuma abordagem considerada de sucesso sem ter optado pelo encerramento da economia. O senão está em que há 2153 vítimas mortais com 70 anos ou mais.

Johan Giesecke, que começou a sua carreira como médico infecciologista e passou pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres​ antes de trabalhar para o Estado sueco como epidemiologista durante dez anos, confessa que foi “mau ver o Reino Unido abandonar a estratégia hoje conhecida como “imunidade de grupo", depois de um estudo do Imperial College ter projectado 250 mil mortes entre os britânicos. Actualmente reformado, mantendo-se como consultor da agência estatal de saúde e do grupo técnico para as doenças infecciosas da Organização Mundial de Saúde, sublinha que a imunidade de grupo no país, que acredita estar nos 25%, é um efeito secundário da estratégia sueca e não o seu objectivo.

Sente-se mais confiante com a estratégia da Suécia, agora que alguns países estão a sair do confinamento e a aproximar-se do vosso modelo de combate à pandemia?
Sim, acho que é uma coisa boa. Mas foi demasiado tardio, porque o confinamento nunca deveria ter começado.

Pode explicar as diferenças da estratégia sueca? Passa pelo distanciamento social com algumas restrições, como as visitas aos lares de idosos, mantendo-se abertas as escolas com alunos dos zero aos 15 anos, tal como os restaurantes e bares?
A estratégia tem também uma componente de confinamento, mas é voluntária. Não há leis, não há polícia nas ruas. Mas a ideia principal por trás da estratégia sueca é que as pessoas não são estúpidas: se dissermos às pessoas que esta é uma boa forma de não ficarem infectadas, de proteger outras pessoas, elas normalmente fazem o que se lhes diz. Percebem e seguem os conselhos.

O comportamento nórdico é reproduzível nos países do Sul da Europa, em que as pessoas têm hábitos de maior proximidade física?
Penso que pode funcionar em qualquer país. Aqui também há distanciamento e só pode haver ajuntamentos de menos de 50 pessoas.

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Andreas Andersson/Instituto Karolisnka

O que quero dizer é que uma certa distância social não é norma dos países do Sul, as pessoas estão habituadas a tocarem-se mais...
Percebo o que quer dizer, mas eu agora também não dou apertos de mão. Provavelmente é melhor dar um abraço do que cumprimentar com as mãos. Por isso, lembro que também há alguma distância social na Suécia.

Ficou nervoso – ou as pessoas da agência nacional da saúde que aconselha – quando o Reino Unido voltou atrás e abandonou a chamada estratégia de “imunidade de grupo”?
Sim. Foi um tempo difícil para a Suécia, porque antes tínhamos o Reino Unido do nosso lado, ou do mesmo lado. Para mim, era mais fácil dizer: “Estamos a fazer o mesmo que a Inglaterra.” Mas, de repente, quando apareceu o famoso artigo científico do Imperial College, fizeram uma inversão de 180 graus. Isso foi mau para nós.

Voltaram a olhar para os vossos dados? Que tipo de provas científicas fez a Suécia evitar o tipo de encerramento dos outros países?
Decidimos muito cedo tomar apenas decisões baseadas em provas científicas. Quando olhamos para as restrições, há apenas duas que têm apoio científico: a primeira é “lavem as mãos!”, conhecida há 150 anos; a segunda é manter alguma distância das outras pessoas. Estes são os aspectos principais da política. O resto, como fechar as fronteiras, sabemos que não funciona, porque a doença vai entrar na mesma. Alguns defendem o encerramento das escolas, mas também não é muito certo que ajude. Muitas das medidas que foram tomadas pelos países não têm base científica.

Por isso, na sua opinião, a Suécia usou melhores dados científicos, uma ciência melhor, do que os outros países?
Acho que em muitos países, incluindo Portugal, os políticos quiseram mostrar que estavam a actuar, que eram decididos, e tomaram muitas decisões com base em muito poucas provas científicas. Veja-se os nossos vizinhos, a Dinamarca e a Noruega: em ambos a opinião pública defendeu que não se fizesse um confinamento, mas os políticos decidiram o contrário.

O seu ponto de vista é que quando esses países em confinamento iniciarem a chamada “estratégia de saída” vão ter as mesmas mortes que a Suécia já tem?
Sim. Quando os países europeus pensaram em introduzir o confinamento, não houve um único na Europa que tivesse pensado na estratégia de saída. Dei por mim a pensar, quando começaram a encerrar as escolas, como é que iam conseguir sair desta estratégia. Interrogaram-se sobre como acabar com as medidas e quais seriam as consequências? Nenhum país europeu tinha uma estratégia de saída quando instalou as medidas de confinamento.

Porque é que a Itália, a Espanha e o Reino Unido têm tantas mortes? Todas estas mortes — 26 mil, 20 mil — seriam necessárias? O que é que aconteceu aqui?
As pessoas mais velhas foram infectadas muito cedo, especialmente em Itália. Tiveram a pouca sorte de a doença ter chegado a uma região com muita gente velha. Sabemos que as pessoas que morrem da infecção são os velhos e os mais vulneráveis – os grupos de risco. Isso também é verdade para Espanha e, até certo ponto, para o Reino Unido.

Quando atinge os lares, não há como conseguir pará-la. Alastra-se a gente cada vez mais velha e não a conseguimos combater porque é demasiado contagiosa.

Por isso, não foram capazes de defender esses sistemas de saúde, que entraram em colapso, e não conseguiram tratar os mais idosos. Ou pensa que morreriam de qualquer forma?
Alguns morreriam de qualquer forma. Na maior parte dos países o sistema de saúde não falhou.

Em Espanha e Itália...
… Talvez um pouco. Mas no Reino Unido está a funcionar e na Suécia, o meu país, que ainda tem camas de cuidados intensivos, os números estão a descer. Claro que as pessoas estão a trabalhar em condições difíceis nos hospitais, porque há muita gente doente, mas o sistema está a funcionar.

A Suécia triplicou a capacidade de camas nos cuidados intensivos. Quantas camas com ventiladores têm neste momento?
Qual é a população de Portugal neste momento?

Dez milhões, semelhante à sueca...
Temos cerca de 1500 camas de cuidados intensivos para todo o país, embora haja várias maneiras de as contar. Ainda temos cerca de 100 a 150 camas vazias.

Por isso, a estratégia é proteger os sistemas nacionais de saúde porque nada, na sua opinião, pode impedir o vírus de se espalhar antes de se conseguir obter uma vacina?
Penso que não conseguimos evitá-lo. A vacina vai levar, pelo menos, um ano e meio. Nessa altura, tudo isto terá acabado.

O número de mortes na Suécia e na Alemanha ou na Suécia e em Portugal não será muito diferente daqui a um ano, tendo em conta algumas diferenças populacionais?
Não devemos contar os mortos agora, porque é demasiado cedo. Daqui a um ano, conseguimos começar a ver quantas pessoas morreram da infecção pela covid-19 e não penso que vá haver grandes diferenças entre os países europeus. O número de mortes por covid-19 será quase o mesmo em todos os países europeus.

De certa maneira, todos os países estão a fazer erros. Quais são os da Suécia? O número de mortos entre os mais velhos?
Sim, não conseguimos proteger as pessoas mais velhas. O vírus entrou nos lares e não conseguimos fazer face a isso. Isso poderia ter sido evitado, em parte. Mas, quanto mais penso nisso, mais acho que não é possível evitar que o vírus entre nos quartos das pessoas mais velhas.

Por que é que colegas seus, alguns mesmo do Instituto Karolinska, apareceram a criticar a estratégia da Agência de Saúde Pública num jornal nacional?
Isto é uma democracia e as pessoas estão autorizadas a ter outra opinião. Tem havido muita discussão na Suécia sobre a estratégia, e é assim que dever ser. 

Quão alta pensa que é a imunidade entre a população sueca neste momento?
Atingirá cerca de 25% da população de Estocolmo. Não temos números para o total da população, mas a região de Estocolmo conta com cerca de 2,5 milhões de habitantes.

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Os restaurantes que se mativeram abertos devem manter uma distância de um braço entre as mesas Reuters

Mas isso não é uma projecção? Ainda não fizeram testes serológicos alargados, como é que sabem que é de 25%?
Numa semana, fizemos testes de PCR [procura de material genético do vírus] a 800 pessoas e 18 foram positivos. Com alguns cálculos, podemos dizer que para produzir uma prevalência de 2,5% num período tão curto significa que muitas, muitas pessoas têm que estar infectadas sem estarem doentes e sem sintomas. No início da pandemia, os testes serológicos [a anticorpos produzidos pelo sistema imunitário contra o vírus] feitos a profissionais de saúde de Estocolmo mostraram 22% de positivos, quase um quarto.

Podem fazer testes serológicos alargados agora?
Sim.

Vão fazê-los?
Sim, mas os testes ainda não são muito bons. Por isso, talvez daqui a algumas semanas façamos testes serológicos mais amplos.

Em relação às medidas de distanciamento social na Suécia, quais são as que vão ser levantadas primeiro?
Provavelmente vamos manter estas medidas durante vários meses. Porque está a funcionar e não vamos mudá-las. Vamos só abrir as escolas dos alunos que têm 18 ou 19 anos, que vão regressar às aulas antes do Verão.

São os que estão a acabar o secundário e têm que fazer os exames?
Exactamente.

Como ex-cientista-chefe do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), que tem a sede na Suécia, como é que vê o papel do ECDC durante a primeira fase da pandemia?

Eles parecem estar a fazer coisas estranhas. Eu deveria ter ficado lá… Estou a brincar! Definiram uma política sobre máscaras que não tenho a certeza se é boa. Fazem projecções para os Estados-membros que não percebo como aparecem.

Não concorda com o uso de uma máscara no exterior?
Não ajuda.

É mais importante manter a distância entre as pessoas?
Sim. É outra vez o mesmo que disse no início: há muito poucas provas de que a máscara ajuda.

Está no grupo de risco, porque tem 70 anos. Sente que está vulnerável?
Estou no grupo, mas não me sinto vulnerável. Talvez esteja simplesmente a ser estúpido, não sei. Sou velho, mas estou em bastante boa forma.

Qual é o conselho para as pessoas da sua idade?
Não sei o que se está a passar em Portugal, mas muita gente mais velha na Suécia pensa que tem de ficar dentro de casa e nunca sair. Penso que isso é muito estúpido. Façam um passeio de uma hora todas as manhãs. Não se misturem com outras pessoas, mas passeiem no parque ou ao longo do Tejo. Mas não fiquem é fechados em casa todo o dia.

E como é que faz com a família? Com os netos?
Tenho oito netos e não os vejo há um mês.

O que é que vai fazer até ao final do ano?
Vamos todos reunir-nos daqui a um mês. As pessoas podem sempre reunir-se no exterior. Se se reunirem no exterior, a infecção não se espalha. E mantenham as distâncias.

Por que é que diz que todo este confinamento é um risco para a democracia?
O que é que aconteceu na Hungria? Orbán é agora um ditador para toda a vida. A maior ameaça desta epidemia é os países ficarem menos democráticos.

Como é que acha que a pandemia vai acabar?
Quando os países levantarem as restrições uma a uma, as lojas passam a poder estar abertas, testando durante duas ou três semanas se a doença de está a espalhar mais, voltando atrás, se for caso disso. Depois testam-se as escolas, conclui-se que funciona bastante bem… Vai levar meses para os países testarem isso.

Por isso, todos vamos ser como a Suécia nos próximos meses?
Sim, penso que vamos todos ser como a Suécia.

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