Demasiadas pessoas têm morrido sozinhas, assustadas e em terrível estado

Providenciar cuidados de qualidade no fim da vida e garantir que as pessoas permanecem em contacto com os familiares é algo que devemos aos idosos. Estas pessoas têm já muita idade e não têm tempo para estar à espera que nós pensemos nisto. Temos de o estar a fazer, já.

As pessoas idosas são claramente um grupo negligenciado nesta pandemia. Em Espanha, simplesmente não receberam a atenção que merecem. Aos lares de idosos foi dada praticamente nenhuma assistência no início da crise e muitas das pessoas que neles trabalham e residentes foram essencialmente negligenciados. Por isso soubemos que tínhamos de agir e de prestar assistência aos trabalhadores dos lares e centros de idosos da maneira de pudéssemos.

Estamos a providenciar apoio em mais de 200 lares de idosos em Espanha e a 20 em Portugal, assistindo na prevenção e controlo de infeções e no uso adequado dos equipamentos de proteção individual (EPI), assim como prestando apoio aos trabalhadores dos lares de idosos.

Todo este trabalho é crucialmente importante, mas acho que uma das mais importantes ações que temos levado a cabo durante esta pandemia é a de promover cuidados paliativos apropriados aos residentes que não sobreviverão à doença.

Demasiadas pessoas têm morrido sozinhas, assustadas e num estado terrível. Estas pessoas foram isoladas das suas famílias e têm vindo a enfrentar o fim das suas vidas sem apoio e quase nenhum contacto com os familiares. Isto é totalmente inaceitável. Ninguém deveria ter de morrer assim.

Tal tem tido um terrível efeito em cadeia nas suas famílias, nos seus filhos e netos, e também em quem trabalha nos lares. Alguns residentes gravemente doentes ficaram completamente sós e sem nenhum contacto com os familiares nos seus últimos dias de vida. Algumas famílias nem sequer sabiam se os seus entes queridos tinham sido transferidos para outra instituição ou para um hospital.

Assim que nos apercebemos do que se estava a passar, começámos a ajudar os lares e centros de idosos a organizarem-se de forma a que os residentes conseguissem manter-se em contacto com os familiares. Ajudámos a instalar um sistema de chamadas por vídeo de forma a que as famílias possam dizer adeus a quem amam e ter contacto nesses momentos finais.

O impacto destes contactos por vídeo tem sido extraordinário. É perfeitamente visível a transformação que se dá num paciente quando contacta com a família. Podem estar sonolentos, fracos ou sem reação, mas quando ouvem os familiares falarem, ou quando veem o marido ou a muher ou os filhos no vídeo, prontamente ficam alerta e reagem. Com alguns, até o estado de saúde melhora. É algo espantoso de ver. Como médica, nunca tinha visto nada assim.

Providenciar cuidados de qualidade no fim da vida e garantir que as pessoas permanecem em contacto com os familiares é algo que lhes devemos. Estas pessoas têm já muita idade e não têm tempo para estar à espera que nós pensemos nisto. Temos de o estar a fazer, já.

Como sociedade, acho que temos de ponderar muito bem no futuro por que é que a prioridade nesta pandemia tem sido os hospitais e outras instalações médicas, e por que razão mal se pensou nos mais vulneráveis. É algo que tem de mudar.

Uma emergência logística

Desde o início desta crise, tenho dito que não estamos face a uma emergência médica. É uma emergência logística e humanitária.

A escassez de EPI significa que não temos aquilo de que precisamos para nos protegermos e proteger as equipas. Mas o que é especialmente complicado nesta emergência é o facto de que, mesmo dispondo de todo o equipamento, se não se souber como o usar, tal é ainda pior do que inútil.

Por isso temos também concentrado os nossos esforços em treinar as pessoas que trabalham nos lares e centros de idosos sobre a utilização adequada de EPI. Usá-lo apropriadamente dá confiança, e essa confiança é mais outra ferramenta para confrontar o medo que envolve esta pandemia. Esse medo é contagioso, e temos de fazer tudo o que pudermos para o conter. Nós vamos superar isto.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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