Idas às urgências do SNS por acidentes caíram quase 50% em Março

O menor recurso da população aos serviços hospitalares acontece, provavelmente, “pelo receio de se dirigirem a locais onde estariam doentes infectados pelo novo coronavírus e pudessem ser os próprios infectados”.

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Portugueses vão menos às urgências por receio de ficarem infectados com o novo coronavírus Manuel Roberto

As idas aos serviços de urgências do Serviço Nacional de Saúde na sequência de acidentes domésticos e de lazer caíram para perto de metade em Março, revelou à Lusa o coordenador do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional Ricardo Jorge (INSA).

“Verificámos curiosamente que no mês de Março deste ano houve uma diminuição do número de recursos às urgências por acidentes domésticos e de lazer de 40 mil, que era o número habitual, para cerca de 20 mil em termos nacionais, em todos os hospitais do SNS”, disse o investigador Carlos Dias.

Segundo o epidemiologista, estes dados estão “em linha com outros estudos e informações de um menor recurso da população geral aos serviços hospitalares, provavelmente por algum receio de se dirigirem a locais onde estariam doentes infectados pelo novo coronavírus e pudessem ser os próprios infectados”.

Dados do INSA precisam que “entre o mês de Fevereiro e Março de 2020 observou-se uma diminuição do número de episódios de acidentes domésticos e de lazer (ADL) registados nos serviços de urgência do SNS, de 40.376 para 22.271”, o menor número registado face os períodos homólogos desde 2017.

O Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge tem há várias décadas o sistema Evita que monitoriza os acidentes que “não são de trânsito, nem de trabalho, nem resultado de violência”.

“São aqueles acidentes habituais que acontecem em casa, na escola, nos parques” e que levam as vítimas a recorrer aos serviços de urgência do SNS, explicou Carlos Dias.

Sobre eventuais riscos para as vítimas que não recorrem à urgência, o epidemiologista disse que, neste momento, ainda não há dados do sistema Evita nem de outros estudos que “permitam apreciar correctamente” o efeito do atraso ou de não ir à urgência por acidentes que acontecem no domicílio, na escola, nos parques, entre outros locais, “o que não significa que não possam ser graves”.

No seu entender, as vítimas dos acidentes mais graves ocorridos nesses locais terão “recorrido ao 112, ao INEM, às urgências”.

“Provavelmente, aquilo que iremos ver nos estudos que irão ser feitos será que os acidentes com uma consequência menor, em termos traumáticos ou de necessidade cirúrgica, é que terão ficado fora do recurso à urgência e, provavelmente, as famílias terão tentado solucionar esses acidentes e as suas consequências com os instrumentos e com as condições que têm na sua casa”, apontou.

Mas, ressalvou, não há ainda estudos para “poder afirmar num sentido ou noutro, o que sabemos é que houve um decréscimo para metade do número de idas à urgência por causa de acidentes domésticos ou de lazer”.

O EVITA - Epidemiologia e Vigilância dos Traumatismos e Acidentes - tem como principais objectivos, a curto prazo, “a determinação de frequências e tendências dos ADL em geral e das suas diversas formas, bem como as características das vítimas, das situações e dos agentes envolvidos.”

A longo prazo, estes objectivos passam pela identificação de situações de risco, bem como de produtos perigosos ou que propiciem a ocorrência de ADL, refere o INSA.

“Os acidentes constituem uma área de particular relevo à Saúde Pública, dado tratar-se de um problema com reflexo no estado de saúde da população, implicação na utilização dos cuidados de saúde, quer em recurso às urgências hospitalares, quer em acompanhamento posterior materializado em consultas de ambulatório e sua tradução nas dimensões da morbilidade, incapacidade, bem-estar e até mortalidade da população”, sublinhou.

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