Os milionários americanos têm um plano de fuga e já o estão a usar. Destino: Nova Zelândia

O interesse dos milionários norte-americanos por bunkers de luxo na natureza aumentou e é um plano SOS para muitos.

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Nova Zelãndia REUTERS/Brandon Malone
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,Pessoas maori
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Mudflat
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Nova Zelãndia REUTERS/David Gray

No início de Março, quando as infecções por coronavírus se abatiam sobre os EUA, um executivo de Silicon Valley ligou para a fabricante de abrigos de sobrevivência Rising S Co. Queria saber como se abria a porta secreta para o seu bunker multimilionário a 11 metros de profundidade, na Nova Zelândia

O líder em tecnologia nunca tinha usado o bunker, e não se lembrava de como o abrir, diz Gary Lynch, director-geral da Rising S Co. “Queria verificar a combinação da porta, e estava a fazer perguntas sobre a energia e a caldeira, e se precisava de levar água extra ou filtros de ar”, enumera Lynch. O empresário dirige uma empresa na Baía de São Francisco, na Califórnia, mas vive em Nova Iorque, que estava tornar-se rapidamente no epicentro mundial do coronavírus. 

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Foi para a Nova Zelândia fugir de tudo o que está a acontecer”, reforça Lynch, recusando-se a identificar o dono do bunker, porque mantém privadas as suas listas de clientes. “E, tanto quanto sei, ainda lá está”.

Há anos que a Nova Zelândia figura proeminentemente nos planos de americanos abastados para a sobrevivência num apocalipse, preocupados com a possibilidade de, por exemplo, um germe assassino paralisar o mundo. Isolada nos confins da Terra, a mais de 1600 quilómetros da costa sul da Austrália, a Nova Zelândia é a casa de cerca de 4,9 milhões de pessoas, à volta de um quinto das da área metropolitana de Nova Iorque. A nação insular, ecológica e verde, é conhecida pela sua beleza natural, políticos descontraídos, e instalações sanitárias de primeira.

Nas últimas semanas, o país tem sido elogiado pela sua resposta à pandemia. Impôs cedo um encerramento de quatro semanas, e hoje tem mais recuperações do que casos. Apenas 19 pessoas morreram da doença. O número de mortos nos EUA aproxima-se de 59 mil, o que significa que a taxa de mortalidade per capita do país é cerca de 50 vezes superior. 

A rede mundial de abrigos subterrâneos Vivos já instalou um bunker para 300 pessoas na Ilha Sul, a norte de Christchurch, revelou Robert Vicino, o fundador da empresa sediada na Califórnia. Já esteve em duas chamadas na semana passada com potenciais clientes, ansiosos por construir mais abrigos na ilha. Nos EUA, duas dúzias de famílias mudaram-se para um abrigo Vivos para 5 mil pessoas no estado de Dakota do Sul, refere, onde ocupam um bunker numa antiga base militar, que tem cerca de três quartos do tamanho de Manhattan. A Vivos também construiu um bunker para 80 pessoas no estado do Indiana, e está a desenvolver um abrigo para mil pessoas na Alemanha.

A Rising S Co. instalou cerca de dez bunkers privados na Nova Zelândia ao longo dos últimos anos. O custo médio é de 2,765 milhões de euros, para um abrigo que pese cerca de 150 toneladas, mas pode facilmente chegar aos 7,375 milhões de euros com características adicionais, como casas de banho de luxo, salas de jogos, campos de tiro, ginásios, cinemas e camas cirúrgicas. 

Alguns habitantes de Silicon Valley já se mudaram para a Nova Zelândia com o agravar da pandemia. A 12 de Março, Mihai Dinulescu decidiu travar o arranque da startup de moeda criptográfica que estava a lançar, para fugir para o país remoto. “O meu receio era que fosse agora ou nunca, estava a ver que podiam começar a fechar as fronteiras”, confessa Dinulescu, de 34 anos. “Tive esta sensação apreensiva, de que precisávamos de ir.” 

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Dinulescu fez as malas e deixou os móveis, televisão, quadros e outros pertences com os amigos. Comprou o primeiro bilhete de avião disponível, e, em 12 horas, o aluno da Universidade de Harvard e a sua esposa estavam num voo das 7h da manhã, com destino a Auckland. Em São Francisco, “a secção internacional do aeroporto estava completamente vazia — excepto por causa de um voo para a Nova Zelândia”, recorda Dinulescu. “Numa altura em que praticamente todos os aviões estavam a operar a um terço da ocupação, aquilo estava bastante lotado.”

Quatro dias mais tarde, a Nova Zelândia fechou as suas fronteiras a viajantes estrangeiros, o que pode ter frustrado alguns planos de viagem para o refúgio. Dinulescu disse ter já falado com cerca de dez pessoas na Nova Zelândia, que deram o salto antes do encerramento, mas “muitas pessoas que conheço, no mundo do capital de risco, não se assustaram o suficiente antes de as fronteiras fecharem”, alude Dinulescu. “E agora não conseguem entrar”. No entanto, após o anúncio do encerramento, a imprensa local noticiou um ligeiro aumento das aterragens de aviões privados no país.

Dinulescu está agora a trabalhar para a Ao Air, uma pequena startup que está a conceber uma máscara de filtragem de ar para rivalizar com a N95. O seu co-fundador, o neozelandês Dan Bowden, afirma que, desde o início da pandemia, já respondeu a perguntas de cerca de uma dúzia de empregados esperançosos, da indústria tecnológica norte-americana, mas que, de um modo geral, desconfia deste interesse.

“Algumas pessoas estão assustadas e a estabelecer contacto só porque querem um visto”, concretiza Bowden. Um potencial investidor nos EUA perguntou até se poderia seria elegível para residência na Nova Zelândia, se impulsionasse o seu investimento na startup. A Nova Zelândia oferece, notavelmente, um visto de investidor de cerca de 6 milhões de dólares durante três anos.

As actuais restrições a viagens complementam outra imposição, aprovada em Agosto de 2018, que proíbe os estrangeiros de comprar casas na Nova Zelândia, em parte uma resposta aos americanos que acumulavam vagas de imóveis de primeira no país. Tal tem sido um obstáculo para o agente imobiliário de luxo neozelandês Graham Wall, que assume que, nas últimas semanas, recebeu cerca de meia dúzia de chamadas de americanos abastados, na esperança de comprar propriedades na ilha.

“Todos disseram que parece que o lugar mais seguro onde se estar agora é a Nova Zelândia”, disse. “É uma teoria que já precede a covid-19”.

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Ao longo dos anos, entre os norte-americanos endinheirados que conseguiram disputar propriedades na Nova Zelândia, estão o pioneiro dos fundos especulativos, Julian Robertson; o cineasta de Hollywood James Cameron; e o co-fundador da PayPal Holdings Inc., Peter Thiel, que tem duas propriedades na Nova Zelândia, uma das quais tem vistas para montanhas cobertas de neve e tem uma sala-cofre. 

Embora não esteja numa mansão, Dinulescu não tem planos de regressar a Silicon Valley até que a pandemia recue. Está agora escondido na Ilha Waiheke, com a sua esposa, numa casa de dois andares e três quartos com vista para o mar, por 2200 euro por mês — mais do que um terço a menos daquilo que pagavam pelo seu apartamento de dois quartos em São Francisco.

O casal escolheu Waiheke, com uma população de cerca de 9 mil habitantes, pela proximidade a outros residentes de elite. Denominada “os Hamptons da Nova Zelândia”, a ilha é o lar de mansões épicas no topo de penhascos, e de adegas de classe mundial. Sir Graham Henry, antigo treinador da equipa de rugby All Blacks, é lá dono de uma casa, tal como o magnata das embalagens Graeme Hart. 

“Francamente, estávamos à caça de bilionários”, brinca Dinulescu. “Queríamos saber onde estariam toda a outra gente de Silicon Valley.” Até agora, diz que não encalhou com nenhuma elite da tecnologia: “Todos têm estado em auto-isolamento”.

Perrin Molloy, um construtor local que vive na ilha desde os 11 anos de idade, descreve Waiheke como um “parque infantil para bilionários”. Molloy é frequentemente chamado para fazer trabalhos de reparação dentro das mega mansões da ilha, muitas das quais estão vazias durante quase todo o ano. “Estas casas são concebidas para serem um santuário para os ricos dos bilionários, quando precisam de se afastar do que está a haver no resto do mundo”, afirma.

Em Waiheke, é comum os construtores não conhecerem as identidades dos proprietários para quem trabalham, explica Molloy, e as obras de renovação para um Dia do Juízo Final são bastante rotineiras. Um dos colegas de Molloy ajudou a construir uma casa de 11 milhões de euros numa baía privada, que tinha um “túnel de vento” marcado nos planos dos alicerces, em que poderiam facilmente caber quatro pessoas a caminharem ombro a ombro. “Era muito obviamente um túnel de fuga na cave”, conclui. 

É mais que provável que o vírus venha a alimentar a indústria de preparação para catástrofes na Nova Zelândia, e não só. “O coronavírus está obviamente a fazer com que as pessoas se apercebam da vulnerabilidade de todos nós, mas o que realmente preocupa as pessoas é o que vem depois”, tece Vicino, o fundador da Vivos, que acredita que os abastados receiam que um colapso económico ou uma depressão global possa levar a revoltas contra os 1% do topo. “Não querem ter de defender as suas casas quando os bandos de revoltados ou saqueadores aparecerem”.

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O antigo primeiro-ministro John Key era frequentemente abordado acerca da popularidade do país como um destino para o apocalipse, durante o seu mandato. “Tive muita gente a dizer-me que gostaria de possuir uma propriedade na Nova Zelândia, não fosse o mundo ir com o diabo”, ironizou Key numa entrevista à Bloomberg em 2018.

Sam Altman, antigo presidente da Y Combinator, incubadora de startups de Silicon Valley, e director executivo da OpenAI, tem ajudado a reforçar a reputação da Nova Zelândia como um retiro, tendo dito em tempos à revista New Yorker que, caso se desse uma pandemia, planeava fugir para lá com Thiel. Contudo, em entrevista na semana passada, falou: “É um lugar mesmo encantador, mas não conheço ninguém que tenha fugido para a Nova Zelândia”. Alguns colegas empresários dirigiram-se para Napa Valley, mas Altman diz não ter sabido de nenhum par seu que tenha ido numa escapadinha internacional por causa do vírus.

Em vez disso, Altman está abrigado no seu apartamento em São Francisco, conta. Actualmente, como tantos outros, está a deixar crescer a barba e a ver Tiger King na Netflix.

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