Falhei

Tenho medo, não de morrer, mas de não morrer, de continuar vivo num mundo novo e não necessariamente melhor. Antes pelo contrário, um mundo onde nem sequer sei se voltarei a a abraçar os meus pais, quando mais vê-los. Talvez fique aqui para sempre.

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Não sei se é por não estar aí, também eu dentro de casa há um mês ou mais como todos. Não sei se é por estar longe e, por consequência, fora de casa, pelo menos da minha casa em Portugal. Experimentem ligar para lá, já não há telefone, ninguém atende ou então, nunca se sabe, talvez uma voz do lado de lá e eu sem nunca me ter ido embora, lá e cá ao mesmo tempo.

Não sei, talvez seja por estar em Inglaterra, eu também já tive amigos em Inglaterra sem saber deles meses a fio, a ver as notícias e os acontecimentos, a querer fazer-lhes perguntas e não poder, eles não tinham tempo e eu não tinha dinheiro nem nada para contar. E, portanto, talvez seja esta ilusão de fuga para um sítio melhor e onde vai ficar tudo bem: se está tudo bem com o João, vai ficar tudo bem connosco. Será isso?

De outro modo não consigo explicar a sucessão de mensagens e videochamadas por repetir da parte de amigos desiludidos. Desiludidos com a nossa ansiedade, igual ou maior, com as nossas preocupações, iguais ou maiores, a nossa incerteza, maior, aqui ainda está tudo dentro de casa sem saída à vista, a falta de trabalho, maior, aqui vão ser três milhões de desempregados e ninguém entra em contacto para ouvir más notícias seguidas de um ror de queixumes e todo o muro das lamentações. 

Por isso, meus amigos, falhei e peço desculpa. Afinal, lá fora não está tudo bem, está tudo na mesma e eu não fui o ponto de apoio esperado. Infantilmente, não vi como estamos todos no mesmo barco, ao invés desabafando inseguranças mil em nome da nossa amizade e muitos anos juntos. Não soube transmitir esperança, não soube ouvir nem aconselhar, sossegar, ser amigo, mandar um abraço à distância e desligar a chamada a seguir. Não soube ser forte. Tinha medo. Tenho medo.

Tenho medo, não de morrer, mas de não morrer, de continuar vivo num mundo novo e não necessariamente melhor. Antes pelo contrário, um mundo onde nem sequer sei se voltarei a a abraçar os meus pais, quando mais vê-los. Talvez fique aqui para sempre. Talvez nunca volte. Talvez nunca mais veja o mar, pisar a areia, correr na areia, o mundo surdo debaixo de água. Talvez nunca mais vos veja a não ser pelo vidro de um telemóvel. Se me atenderem as chamadas, porque entretanto Portugal tratou de andar para a frente enquanto Inglaterra continua a correr atrás da própria cauda sem uma saída à vista, independentemente do exemplo dos países em redor.

Falhei, mas não falhei com todos. Pela necessidade de esperança, por querer acreditar, por ter de acreditar, digo-vos que não, que continuamos a sair uma vez por dia, que tem estado bom tempo e até dá para ir ao parque, temos um filme para ver todas as noites, temos o trabalho nas escolas mesmo se à distância, não nos falta nada e vai tudo passar, bem ou mal, mas vai tudo passar e um dia destes estamos juntos, vão ver, já falta pouco para Agosto na praia.

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