O que diz a Telescola sobre nós

Numa era em que os limites da tecnologia são infinitos, foi o resgatar de uma ideia com mais de 50 anos que veio permitir o acesso de todos os alunos à escola. Uma medida universal.

Há uma canção que tem sido resgatada do passado neste tempo atípico atual, a canção dos abraços de Sérgio Godinho. Uma música que ecoa laivos de saudosismo deste impedimento táctil em que nos encontramos.

Em tempos de encerramento, pessoal e social, há, inevitavelmente, uma introspecção que encontra tempo para rebuscar o passado e memória que de outra forma não o conseguiríamos fazer. Nunca uma adversidade havia sido digna de uma paragem completa. É que nesta selva todos são o elo mais fraco. E é nesta adversidade que percebemos que nunca o mundo precisou tanto de uma aldeia e sentido de comunidade.

Neste processo atípico, as aulas também continuam. Professores e alunos, através de ferramentas inúmeras vezes realçadas como indispensáveis numa escola que se quer do séc. XXI, mantêm o seu trabalho.

Presos num presente sem certezas de futuro (de que futuro), é no passado que encontramos espaços de afeto e formas de agir. Um dos exemplos máximos desta viagem é o regressar, também, da Telescola. A Telescola teve emissões regulares entre 1965 e 1987, permitindo que milhares de alunos completassem o ensino do quinto e sexto anos de escolaridade. Numa era em que os limites da tecnologia são infinitos, foi o resgatar de uma ideia com mais de 50 anos que veio permitir o acesso de todos os alunos à escola. Uma medida universal.

Algumas vozes dissonantes e mais inflamáveis já se tinham feito sentir sobre as várias plataformas utilizadas para a manutenção de uma certa normalidade escolar. Regressaram para criticar a Telescola e vão, naturalmente, fazer-se sentir com qualquer medida que seja tomada nesta e noutra área. Houve erros, haverá erros e nada é absoluto e incólume enquanto solução. Há situações mais suscetíveis de serem alvo de humor, o que é inevitável e faz parte (mea culpa também), por outro lado torna-se bafiento que, à primeira fragilidade encontrada, se coloque em causa a decisão que melhor permite abranger todos os alunos. A verdade é que nos centros dos tsunami, há questões que serão sempre mais imunes a vírus: apontar as nossas ansiedades e frustrações a uma entidade ou a outro elemento.

Manter uma rotina escolar, ou qualquer outra rotina, dentro do possível, é poder atribuir alguma normalidade aos nossos dias. É manter alguma sanidade mental, essencialmente se percebermos exactamente isto. É uma questão, acima de tudo, de sair do medo e manter-me à tona. Não acredito que no meio deste processo se queira ou se possa exigir mais.

As sugestões não devem ser lidas como obrigações, o trabalho regular da escola não deve ser visto como suplementar, o desenvolvimento da autonomia dos filhos deve ser visto como o maior investimento a ser feito como base para o resto, o identificar de fragilidades deve ser feito e partilhado, os professores não devem ser vistos como meros transmissores de conteúdos e estão, com certeza, também disponíveis a uma curta distância, aquela a que as novas tecnologias já nos habituaram. E quando tudo se desmorona e falha pelo cansaço, pelo dia menos bom, pelo acumular de trabalho, é preciso parar, pôr de lado e recentrar, sem receio de falhar. E isto deve ser válido independentemente do lado onde nos encontramos, que, neste ponto, só poderá ser lado a lado.

Não é tempo de exigências descontextualizadas ou de punições bilaterais. A planificação atempada do vírus não foi nem é possível. A monitorização não conseguiu obedecer a lógicas existentes, o esforço é de todos e para todos.

Os abraços da música de Sérgio Godinho também servem para abraçar causas, e manter alguma normalidade escolar no meio de um caos é uma causa a ser abraçada. Por muito que nos esteja impregnado o cliché do velho do Restelo, também nos está impregnada a capacidade de nos reinventarmos com ideias de futuro e ideias de passado. Ideias que devem ser, de preferência, com base num processo de construção e também num processo de filtragem do que é informação séria e informação especulativa que servirá apenas para minar o nosso bom senso.

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