Regressar

A tendência de todas as curvas analisadas até 28 de Abril vai no sentido de uma clara melhoria do panorama epidemiológico da pandemia. Falta, então, delinear uma política de transição para a normalidade. Ela deve ser feita considerando a estratificação e hierarquização do risco.

Passados cinquenta e seis dias desde que foi notificado o primeiro caso de covid-19 em Portugal, é tempo de regressar desse longo isolamento em que se tinha por companhia o mundo virtual. Esta afirmação não resulta de qualquer tipo de saturação ou impaciência. É o corolário de termos acompanhado desde o primeiro dia o desenvolvimento empírico deste fenómeno. E não foi necessário ir consultar outros dados e outras fontes de informação que não as da Direcção-Geral da Saúde, o seu excelente Relatório de Situação, que diariamente dá a conhecer ao país o que mais importa e com o qual se pode ir fazendo uma caracterização do que se está a passar.

Os casos aumentam diariamente mas esse aumento está associado à infecciosidade do agente, e à facilidade com que se dissemina, bem diferente do que era conhecido até à data. A última contagem revelava que existiam 24.027 casos infectados. Porém, desde 30 de Março que a percentagem de internados tem vindo sistematicamente a diminuir, situando-se em 28 de Abril em 854 internamentos. Mas pode-se ainda acrescentar que o valor máximo de casos foi de 1073, menos 20% do atingido no 43.º dia da pandemia.

E os casos internados em Unidade de Cuidados Intensivos, a situação de maior grau de risco para os internados, têm vindo a diminuir consistentemente desde 22 de Abril, tendo tido uma diminuição de 23%, depois de ter atingido o valor máximo de 271 internamentos, em 17 de Abril. Feitas as contas, estão em regime de isolamento domiciliário ou outro, na condição de infectados, 96% dos doentes, representando, à data de 28 de Abril, outros tantos doentes infectados a serem tratados em regime domiciliário/outro, 3,5% internados em enfermaria e 0,8% nas UCI. Esta é a distribuição dos infectados com covid-19, após realizado o respectivo teste.

O outro indicador particularmente relevante e a que a população dá particular importância e é bastante sensível, por razões óbvias, é a letalidade dos casos infectados. Actualmente, verificam-se 928 óbitos, que depois de ter aumentos diários de dois dígitos, 10%-39%, desde 12 de Abril que o crescimento é de um dígito, entre 3%-8%. Importante ainda referir que a taxa de letalidade no continente se situa nos 39‰, no intervalo superior do que a literatura reporta, 20‰-40‰

No plano regional, verificam-se três situações extremas – Norte, Alentejo e Algarve – e duas regiões intermédias – Centro e Lisboa e Vale do Tejo. A região Norte é aquela que apresenta maior volume de infectados, 60% do total de casos e maior taxa de letalidade, 57% da letalidade geral. Alentejo, com 0,8% dos infectados e com 0,1% da letalidade, encontra-se no pólo oposto da região Norte.

No plano etário, existe uma considerável discrepância nos dois extremos da distribuição, sendo mínimos os casos no grupo 0-9 anos e uma maior concentração de infectados  no grupo 30-59 anos, e no sexo feminino, verificando-se uma maior amplitude no grupo 40-49 anos, com uma relação de mais de 50% de casos infectados nas mulheres com mais de 79 anos de idade.

Apesar de o crescimento dos óbitos se manter constante, a sua variação diária, o seu crescimento, tem sofrido alterações desde 13 de Abril, em que o crescimento tem variado entre 3%-8%, quando a amplitude dessa variação chegou a atingir 21 pontos percentuais.

Resta finalmente analisar a relação entre o número de doentes recuperados e os acontecimentos fatais. Essa relação foi sempre favorável aos óbitos. No entanto, a partir de 26 de Abril verifica-se uma inversão das curvas, com um saldo positivo de 429 casos no dia 28 de Abril.

Para completar a caracterização, acrescenta-se a distribuição por quartis dos concelhos com três ou mais dígitos de infectados. Nos nove quartis identificados, e considerando a incidência (dados da Pordata para a população reportada a 2018), Ovar, Maia, Gaia e Castro Daire encontram-se no 1.º quartil; no 5.º quartil, a moda dos quartis, estão Paços de Ferreira, Lousada, Trofa e Lisboa, e no 9.º e último quartil, Bacelos, Viana do Castelo, Almada e Seixal.

A tendência de todas as curvas analisadas até 28 de Abril, naquilo que estatisticamente é possível afirmar, vai no sentido de uma clara melhoria do panorama epidemiológico da pandemia. E o que caracteriza uma tendência é incorporar e resumir todas as medidas que entretanto foram adoptadas. É o resumo e o resultado do que foi feito. Para isso contribuíram, por parte da população, a compreensão e cumprimento das orientações das autoridades de saúde; o acompanhamento diário da situação pela equipa do Ministério da Saúde, explicando o que se estava a passar, aconselhando e transmitindo a informação que desse confiança à população, e finalmente, mas não menos importante, o trabalho de equipa de todo o Governo. Estas foram, quanto a nós, as orientações e as medidas que tornaram possível ao país atravessar esta pandemia com os menores danos possíveis, no plano da resposta dos serviços de saúde.

Falta, então, delinear uma política de transição para a normalidade praticável. Diríamos que ela deve ser feita considerando a estratificação e hierarquização do risco. Jovens, trabalhadores, idosos, isolados, doentes nas várias fases de gravidade, são os grupos aos quais se deve dar uma particular atenção, dada a sua situação e necessidades perante a pandemia. Mas igualmente o relançamento das actividades produtivas, salvaguardados os cuidados e as reservas a ter em cada fileira de actividade.

E, para que nada fique por dizer, ter presente que a acção política continua. Que as diferenças não foram anuladas pelo vírus, que a ideologia não chegou ao fim da história e que nunca deixaram de existir os de cima e os de baixo, cujos interesses e contradições se mantêm. O que estamos a viver não se resolve com um banco alimentar, exige mudanças, e mudanças ousadas.

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