Casa Branca “foi alertada várias vezes” para ameaça do novo coronavírus

Trump não reagiu aos avisos dos serviços secretos, que começaram logo no início de Janeiro. Mas agora levanta a possibilidade de pedir indemnizações à China pelos danos da covid-19.

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Conferência de imprensa de Trump na Casa Banca Reuters/CARLOS BARRIA

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu pelo menos 12 alertas sobre a ameaça do novo coronavírus, entre Janeiro e Fevereiro, incluídos nos resumos diários das informações recolhidas pelos serviços secretos norte-americanos. Segundo o jornal Washington Post, os avisos continham comentários sobre a resistência da China a partilhar informações e continuavam a chegar à Casa Branca quando o Presidente norte-americano ainda desvalorizava, em público, as possíveis consequências do vírus nos Estados Unidos.

A primeira referência foi feita nos primeiros dias de Janeiro e centrava-se na informação de que um vírus de origem desconhecida estava a espalhar-se na cidade chinesa de Wuhan, na província de Hubei.

De acordo com as informações recolhidas na China pelos serviços secretos norte-americanos, em particular através da CIA, sabia-se que as autoridades chinesas estavam a esconder a verdadeira dimensão da epidemia, avança o Washington Post.

Esses e outros avisos sobre a evolução do vírus surgiram várias vezes, nas semanas seguintes, no documento secreto que é entregue aos Presidentes dos Estados Unidos todos os dias logo pela manhã, conhecido como President’s Daily Brief – um resumo diário dos alertas de segurança nacional e outros assuntos sensíveis, preparado pelo coordenador da comunidade de serviços secretos norte-americana, incluindo a CIA, a NSA e o FBI.

Mas se então Donald Trump parece não ter prestado atenção ao que dizia o documento que lhe é servido pela manhã, nos últimos tempos tem atribuído culpas à China pela pandemia do novo coronavírus, com a Organização Mundial de Saúde a ser acusada de favorecer os interesses de Pequim.

Na conferência de imprensa diária sobre a progressão da pandemia nos Estados Unidos, na segunda-feira, o Presidente Trump repetiu uma ameaça que tem corrido na direita radical norte-americana: a possibilidade de pedir a Pequim o pagamento de milhares de milhões de dólares em compensação pelos danos causados pelo novo coronavírus.

“Estamos descontentes com a China”, disse Donald Trump. A doença “poderia ter sido parada na fonte e não se ter espalhado pelo mundo. Há várias maneiras de os responsabilizar, estamos a fazer uma investigação muito séria”, acrescentou. 

Esta ameaça suscitou uma resposta irada de Pequim. “Os políticos dos Estados Unidos ignoraram repetidamente a verdade e proferiram mentiras descaradas”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Geng Shuang, em conferência de imprensa, após ser questionado sobre as declarações de Trump. “Eles têm apenas um objectivo: isentarem-se de qualquer responsabilidade pela forma como geriram a epidemia e desviar a atenção”, acrescentou.

O President’s Daily Brief esteve em evidência pela primeira vez nos anos que se seguiram aos atentados terroristas nos Estados Unidos, no dia 11 de Setembro de 2001. E pode voltar ao centro das atenções nos próximos meses, se o Congresso norte-americano aprovar a abertura de uma investigação sobre as semanas que antecederam a declaração do estado de emergência no país por causa do novo coronavírus, já sugerida pelo líder da Comissão de Serviços Secretos da Câmara dos Representantes, o democrata Adam Schiff.

Em 2004, a comissão que investigou os atentados terroristas obteve o sumário dos serviços secretos que o Presidente George W. Bush recebeu no dia 6 de Agosto de 2001, um mês antes dos ataques contra o World Trade Center e o Pentágono.

Intitulado “Bin Ladin determinado a atacar nos Estados Unidos”, o documento alertava para a existência de “um padrão de actividades suspeitas consistente com preparações para o sequestro de aviões norte-americanos”.

Desvalorização da pandemia

Já este ano, a primeira medida importante da Casa Branca de combate ao novo coronavírus foi conhecida no dia 31 de Janeiro, quando o Presidente Trump ordenou a proibição da entrada no país aos passageiros estrangeiros de voos provenientes da China. Mas só um mês e meio depois, a 16 de Março, surgiram as primeiras recomendações nacionais de isolamento e distanciamento social, no seguimento da declaração do estado de emergência.

Entre as duas datas, e desde as últimas semanas de Janeiro, o Presidente norte-americano disse várias vezes que o novo coronavírus ia desaparecer do país em pouco tempo.

A 22 de Janeiro, numa entrevista na cimeira económica de Davos, na Suíça, um dia depois do registo do primeiro caso nos Estados Unidos, Trump disse que a situação no país estava “totalmente sob controlo”. E respondeu de forma curta e directa a uma pergunta sobre se estava preocupado com a possível evolução dos casos na China, e noutros países, para uma pandemia global: “Não, nada mesmo.”

Um mês depois, a 26 de Fevereiro, quando nomeou o vice-presidente, Mike Pence, para liderar os esforços no combate ao novo coronavírus, Trump disse que o número de mortos no país – 15, nessa altura – ia “descer para perto de zero nos próximos dias”.

E a 12 de Março, um dia depois de a Organização Mundial de Saúde ter declarado que a transmissão do novo coronavírus era já uma pandemia, o Presidente norte-americano surgiu ao lado do primeiro-ministro da Irlanda, na Casa Branca, a desvalorizar a situação e a elogiar a sua resposta nas semanas anteriores.

“Por causa do que eu e esta Administração fizemos com a China, temos 32 mortes nesta altura”, disse Trump. “Em comparação com o que vemos noutros países, é extraordinário.”

Segundo os números oficiais mais recentes, actualizados esta terça-feira, os Estados Unidos são o país com mais casos (um milhão e 13 mil) e mais mortes (57 mil e 43) em todo o mundo.

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