Os elogios dos socialistas a Rui Rio

Já quase nos esquecemos, mas antes do surto, a política portuguesa aproximava-se de uma encruzilhada por causa do novo aeroporto do Montijo - e que não está ultrapassada.

Na mesma semana, duas figuras relevantes do PS teceram elogios dignos de registo ao líder do PSD. Um deles foi Eduardo Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, o outro foi José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS.

Em entrevista ao PÚBLICO, a pretexto das comemorações do 25 de Abril no Parlamento, Ferro Rodrigues acabou por falar sobre temas de actualidade, incluindo o carácter de Rui Rio. Disse que o tem como homem sério e que acredita que ajudará o Governo a viabilizar o orçamento suplementar e até outros, até 2023. “Acredito. Acredito, porque conheço o dr. Rui Rio desde o século passado. Fomos aqui colegas da mesma Comissão de Economia, Finanças e Plano, no princípio dos anos 90, e sei que é um homem sério. Tenho e sempre tive um bom relacionamento com ele. Acredito que está de boa-fé. Evidentemente que ele é líder de um partido de alternância ao PS. Vamos ter momentos eleitorais importantes, sobretudo as autárquicas em 2021. É natural que ele queira ter bons resultados nessas eleições. Também não podemos pedir que assine cheques em branco”, alongou-se o presidente da AR.

Neste domingo, no Jornal de Notícias, José Luís Carneiro foi questionado sobre se a oposição devia baixar a guarda sobre o Governo, como pediu Rui Rio aos militantes do seu partido. “Acho que o Dr. Rui Rio fez bem”, respondeu. “Ninguém aceitaria que fosse de outro modo. Nestes momentos, o sentimento de serviço ao país deve elevar-se acima de quaisquer cálculos mesquinhos”. Foi o segundo elogio em quatro dias.

Registe-se outro, ainda que indirecto: o Governo aprovou, no Conselho de Ministros de dia 23, a medida proposta pelo PSD de redução da taxa de IVA aplicada aos materiais de desinfecção e de protecção, tal como António Costa tinha sinalizado no debate quinzenal do dia anterior.

Noutra altura, estes três exemplos, a juntar à carta que Rui Rio escreveu a pedir (o)posição patriótica e a criticar os que fazem aproveitamento político da crise, seriam suficientes para acicatar os críticos do PSD e fazer chover acusações de que o partido está a subalternizar-se e a colocar-se no papel de ser bengala do Governo. Mas não. Desta vez houve apenas algumas observações pontuais: Miguel Pinto Luz pediu “coesão na pluralidade" e “na liberdade de elogiar o que está bem e de reprovar o que está mal" e disse que em "tempo de angústia" não devia perder-se “tempo com lições de patriotismo”. 

O tempo não está para convulsões internas, que é o mesmo que dizer: António Costa e Rui Rio ocupam o lugar que ninguém gostaria de ocupar (mesmo estando um no Governo e outro na oposição). Se a um se exige que tome decisões sobre a pandemia, saiba ouvir e liderar, gira a crise presente e antecipe e prepare as respostas à crise futura, ao outro pede-se um equilíbrio difícil entre espírito crítico e construtivo, escrutínio permanente, mas também alternativas viáveis, sem criar instabilidade política.

Já quase nos esquecemos, mas antes do surto, a política portuguesa aproximava-se de uma encruzilhada por causa do novo aeroporto do Montijo - e que não está ultrapassada. O Governo mantinha-se firme na intenção de o construir, mesmo que fosse preciso mudar a lei que dava poder de veto às autarquias em relação à obra. O PSD avisava que não daria a mão do executivo para essa mudança na legislação. E pelo menos dois municípios da margem sul não abdicavam do seu veto.

Se a resposta à crise económica que resultará desta pandemia passar mesmo pelo reforço do investimento público, como tem sido anunciado, era bom que voltássemos a pensar sobre o assunto. Elogiar, não basta.

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