Gianni Infantino suspeito de interferir com a justiça suíça

O presidente da FIFA encontrou-se informalmente com o procurador-geral da Suíça, mas garante que quis apenas esclarecer as autoridades sobre uma investigação que o envolvia. O magistrado foi sancionado por não ter registado estas reuniões.

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Infantino manifesta-se disponível para colaborar com qualquer investigação Yves Herman

Os documentos revelados pelo Football Leaks continuam a fazer estragos na imagem de alguns protagonistas deste desporto. Um dos visados tem sido o próprio presidente da FIFA, Gianni Infantino, que voltou aos cabeçalhos esta segunda-feira. Isto porque o dirigente terá procurado livrar-se de uma investigação aberta pelas autoridades helvéticas, reunindo-se informalmente com o procurador-geral da confederação Michael Lauber. Ao PÚBLICO, fonte próxima de Infantino admite os encontros, mas garante que os mesmos se destinaram apenas a esclarecer as autoridades acerca das acusações de que era alvo.

O caso remonta a Abril de 2016. Pouco depois de Infantino ter sido eleito para a liderança do organismo máximo do futebol mundial (26 de Fevereiro), o Gabinete do procurador-geral (OAG) suíço iniciou uma investigação sobre a concessão de um contrato de direitos televisivos a uma empresa offshore, numa altura em que o actual presidente da FIFA desempenhava as funções de director dos assuntos jurídicos da UEFA, o organismo que gere o futebol europeu.

Preocupado com este procedimento das autoridades – que já tinham realizado buscas na sede da UEFA, em Nyon, na Suíça, a 6 de Abril –, Infantino escreveu ao procurador suíço Rinaldo Arnold, um antigo amigo de infância. “Vou tentar explicar ao OAG que é do meu interesse que tudo seja esclarecido o mais rapidamente possível e que seja afirmado claramente que não tenho nada a ver com esse assunto”, referiu num dos email, citados pelo La Tribune de Genève, jornal que nesta terça-feira revelou a história.

Em resposta, Arnold, que já tinha intermediado uma primeira reunião entre Infantino e o procurador-geral Michael Lauber, em Março desse ano, prontificou-se novamente a acompanhar o presidente da FIFA: “O importante é a reunião daqui a duas semanas. Se quiseres, posso ir contigo novamente.” O encontro ocorreu a 22 de Abril de 2016, em Zurique, e o que lá se passou permanece “um mistério”, segundo o jornal. Contactado esta segunda-feira pela agência AFP, o OAG recusou abordar este assunto.

Revelações dos Panama Papers

O processo em causa foi aberto pelo Ministério Público suíço (MPC), após revelações dos Panama Papers – escândalo de corrupção divulgado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação –, contra uma pessoa desconhecida, suspeita de “gestão desleal” e “quebra de confiança”. Em causa estava um contrato assinado por Infantino, então director dos assuntos jurídicos da UEFA, em 2006.

Neste acordo eram cedidos os direitos televisivos a uma empresa offshore, propriedade de empresários indiciados pelos tribunais dos Estados Unidos. A investigação viria a ser arquivada em Novembro de 2017 pelo promotor Cédric Remund. Entretanto, tinha já havido uma terceira reunião entre Infantino e Lauber, a 16 de Junho, em Berna.

Foi a 28 de Novembro de 2018 que a plataforma Football Leaks divulgou provas do encontro secreto em 2016 entre Gianni Infantino e Michael Lauber – procurador-geral do MPC responsável por vários processos de corrupção na FIFA –, promovido por Rinaldo Arnold. Num outro email, o velho amigo de Infantino prontifica-se a tentar que o MPC limpe a imagem do responsável desportivo: “Se quiseres, posso tentar fazer com que o MPC emita um comunicado de imprensa a explicar que não há nenhum processo contra ti.”

Rui Pinto ignorado

A justiça suíça optou por ignorar os documentos suspeitos revelados pela plataforma criada por Rui Pinto, acabando por arquivar o processo que investigava Arnold por suspeitas de corrupção passiva. Tudo em vésperas da reeleição de Infantino para a presidência da FIFA. Segundo o diário francês Le Monde, o instrutor do processo também rejeitou a colaboração do hacker português, ao contrário do que fizeram as autoridades judiciais de outros países.

Mas as revelações de Rui Pinto acabaram por contribuir para um outro processo promovido pela autoridade supervisora do MPC (AS-MPC), em Maio de 2019. Nas conclusões deste, de 4 de Março deste ano, a AS-MPC reconheceu que o procurador Michael Lauber era “culpado de ter violado várias funções do cargo”, por ter ficado provado que esteve reunido informalmente (sem elaborar qualquer relatório ou registo) com Infantino em três ocasiões: Março e Abril de 2016 e Junho de 2017.

O procurador-geral, que tem a cargo a luta contra a corrupção – e que liderou a cooperação judicial internacional no âmbito do escândalo de corrupção Lava Jato, no Brasil –, foi alvo de sanções disciplinares, sofrendo nomeadamente um corte de 8%​ no seu salário durante 12 meses. Não foram encontradas provas de que tenha beneficiado financeiramente ou através de outro qualquer favor dos encontros com Infantino.

Infantino nega interferências

Já Gianni Infantino nega ter interferido com a justiça suíça ou ter retirado qualquer vantagem destes encontros, não sendo responsável pela inexistência de registos escritos. Fonte próxima do presidente da FIFA explicou esta segunda-feira ao PÚBLICO que o dirigente quis apenas esclarecer Michael Lauber acerca das acusações que pendiam sobre si.

O responsável da FIFA garante que os emails que trocou com Rinaldo Arnold foram retirados do contexto para o prejudicar, sugerindo que teve alguma coisa a ver com o arquivamento dos casos. “O conteúdo dos artigos citados é deliberadamente enganoso e malicioso e não reflecte a verdade sobre a FIFA e o presidente da FIFA”, reiterou ao final desta segunda-feira um comunicado do organismo, garantindo que “a verdadeira natureza dos factos foi deliberadamente omitida”.

Contrato suspeito

Ao PÚBLICO, a mesma fonte admitiu que Infantino esteve, de facto, envolvido nas negociações de um “contrato menor” de direitos televisivos relativos a três temporadas da Liga dos Campeões da UEFA para o Equador em 2006 e 2007. Este acordo foi celebrado com a empresa Trading/Teleamazonas, dos argentinos Hugo e Mariano Jinkins – acusados de subornos pelas autoridades dos EUA , por aproximadamente 100 mil euros.

Pouco depois, os direitos televisivos seriam revendidos por quase o triplo do valor a uma outra empresa. Infantino garante que não tinha motivos para desconfiar da idoneidade dos empresários argentinos e que os contactos e negociações com a Trading/Teleamazonas foram feitos por uma empresa de marketing em nome da UEFA, a TEAM Marketing AG, após um processo legal de concurso onde foram analisadas duas propostas. Infantino limitou-se a assinar os acordos finais.

Terá sido para defender o seu nome que Infantino se encontrou com o procurador-geral suíço. A fonte contactada pelo PÚBLICO lembrou que o actual presidente da FIFA nunca foi alvo de nenhum processo de investigação em nenhum momento, defendendo que o seu nome acabou por ser envolvido em disputas políticas da justiça suíça.

“Se eu for obrigado a contribuir para trazer mais esclarecimentos sobre o assunto, é claro que terei prazer em fazê-lo”, sublinhou o próprio Infantino, a 6 de Abril de 2016. "É do meu interesse e do futebol que tudo venha à tona.”

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