De uso voluntário, com beeps, por bluetooth: como será a app para rastrear contágios de covid-19 em Portugal

A aplicação monitorCovid19.pt será uma plataforma de uso voluntário, que permitirá aos utilizadores interessados descobrir casos de contacto próximo com infectados por covid-19. Para ser eficaz no rastreio dos contágios, a app tem de ser instalada por 60% de utilizadores de smartphones .

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Maquete da possível interface da aplicação desenvolvida pelo INESC TEC DR

Foram divulgados esta segunda-feira pormenores sobre uma aplicação móvel que alerta os seus utilizadores em Portugal que estiveram em contacto com alguém infectado pelo novo coronavírus. O projecto, que começou no final de Março, é coordenado pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (Inesc Tec). Para ser eficaz na detecção de novos casos de covid-19, pelo menos, 60% dos utilizadores de smartphones em Portugal terão de ter esta aplicação instalada.

A app, actualmente em fase de testes, foi apresentada durante uma visita ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), um dos parceiros do projecto, a vários membros do Governo: a Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior; a Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial; e a Isabel Ferreira, secretária de Estado da Valorização do Interior.

Contrariamente ao que sugeriu na semana passada o primeiro-ministro, António Costa, a aplicação portuguesa não exige que a Direcção-Geral de Saúde (DGS) tenha acesso aos telemóveis dos portugueses para proceder ao rastreio. Tal como recomendado pela Comissão Europeia, a aplicação não vai guardar a localização dos utilizadores nem revelar a identidade das pessoas infectadas, e não será de uso obrigatório.

“O que queremos é que as pessoas percebam a relevância da aplicação e que a decidam instalar”, destacou ao PÚBLICO José Manuel Mendonça, presidente do Inesc Tec. “Na prática, não são partilhados quaisquer dados pessoais, o que afasta o receio fantasma da privacidade.” O grande objectivo da aplicação, acrescenta, é poupar tempo aos profissionais de saúde. “Este método é muitíssimo mais rápido do que o sistema actual de perguntar às pessoas infectadas com quem estiveram e contactá-las directamente por telefone”, frisa José Manuel Mendonça.

Assim, a app monitorCovid19.pt, designação provisória, será uma plataforma de uso voluntário, e gratuito, que permitirá aos utilizadores interessados descobrirem, por si próprios, através de informação pública e certificada pelas autoridades de saúde, se estiveram em contacto com alguém confirmado como infectado com o novo coronavírus.

A criação da ferramenta portuguesa junta vários laboratórios nacionais que incluem o ISPUP, Inesc Tec, Inesc I&D, o Instituto de Telecomunicações e o Laboratório de Robótica e Engenharia de Sistemas (LaRSyS). 

Dados ficam no telemóvel

A privacidade foi uma preocupação da equipa portuguesa desde o início. Por isso, na monitorCovid19.pt (desenvolvida para Android e iOS) não será pedido qualquer tipo de informação ao utilizador que instale a aplicação, e a única opção disponível na interface é um botão para “ligar” ou “desligar”.

A aplicação funcionará da seguinte maneira: dois utilizadores têm de a ter instalada nos seus telemóveis e, se um deles vier a ser diagnosticado com covid-19 e autorizar um profissional de saúde a partilhar os dados gerados pela aplicação de forma anónima, o outro que esteve nas proximidades receberá uma mensagem de aviso. Nunca é divulgada a identidade dos utilizadores.

Para que app seja eficaz, a equipa do Inesc Tec estima que, pelo menos, 60% dos utilizadores de smartphones em Portugal a tenham de instalar. Os utilizadores do serviço móvel de acesso à Internet rondam os 7,6 milhões em Portugal, o que corresponde a uma penetração de cerca de 73,6 por 100 habitantes, segundo os dados mais recentes da Anacom, divulgados em Maio de 2019. Ainda segundo estes dados, 79,5% dos utilizadores de telemóvel em Portugal têm um smartphone.

A aplicação depende de bluetooth, uma tecnologia comunicação sem fios de curto alcance encontrada em praticamente todos os aparelhos móveis (portáteis, smartphones, consolas) que permite que troquem informação quando estão próximos. Sempre que activada, a aplicação envia aos telemóveis que estão perto identificadores anónimos, guardando, ao mesmo tempo, os identificadores que recebe. Rui Oliveira, administrador do Inesc Tec, descreve estes identificadores como “beeps” (sinais) que estão a ser permanentemente enviados e recebidos.

“O que os telemóveis com a aplicação vão fazer é enviar beeps a telemóveis com a aplicação na zona. E receber beeps desses telemóveis. Estes beeps são números completamente anónimos. Sem contexto, são como ‘lixo’ digital e não fazem sentido”, explica Oliveira. A ideia é que se um dos utilizadores da aplicação for infectado, este possa partilhar, voluntariamente, todos os beeps enviados pelo seu telemóvel nos últimos 14 dias com um profissional de saúde.

Estes beeps são posteriormente colocados num servidor, que é consultado diariamente pelos telemóveis com a aplicação monitorCovid19.pt instalada. Se existir uma combinação entre os identificadores no servidor e os identificadores no telemóvel, o seu utilizador é alertado.

“O processamento de detecção de contactos é feito no telemóvel cada um. Não pode ser feito pela DGS, porque a DGS nunca terá acesso aos dados todos”, explica Rui Oliveira. “Em França, as entidades de saúde têm uma visão mais centralizada, em que os dados são guardados por uma entidade específica. Querem reconstruir um mapa visual dos contactos dos cidadãos. É informação da maior utilidade, mas pode lesar os direitos de privacidade de cada um.”

A vantagem de cada telemóvel gerar e enviar vários números anónimos, em vez de um único número anónimo, é evitar que um hacker descubra o número específico associado a um telemóvel e, dessa forma, chegar à identidade da pessoa.

Actualmente, a aplicação considera como um “contacto próximo” um telemóvel que estive a menos de dois metros de outro durante mais de 15 minutos. “Estamos a usar aquilo que sabemos da epidemiologia tradicional”, explica Henrique Barros, especialista de saúde pública do ISPUP, envolvido no desenvolvimento da aplicação. “Provavelmente isto é uma distância exagerada, mas é usada como garantia de que todos os contactos realizados a uma distância superior não devem ser considerados.”

Para os investigadores, a grande barreira será a confiança em usar a aplicação e não a literacia digital. “A aplicação foi concebida para poder ser utilizada por qualquer pessoa independentemente da literacia digital. Quem quer que tenha um smartphone, que corra Android ou iOS, poderá pedir que a aplicação seja instalada, porque requer muito pouca interacção pelo utilizador”, justifica Rui Oliveira. 

Ainda não há data prevista para o lançamento da aplicação monitorCovid19.pt, mas o objectivo é que possa ajudar os portugueses à medida que as medidas de isolamento social são levantadas. A avaliação ética da aplicação está a ser conduzida pelo ISPUP, enquanto a avaliação relativa à protecção de dados está a ser feita pelo Inesc Tec. Mais tarde, será também realizada uma avaliação independente sobre a protecção de dados por parte do Centro Nacional de Cibersegurança.

“A pergunta ‘está disposto a abdicar da privacidade?’ é uma falsa questão no nosso caso”, destaca José Manuel Mendonça. “As alusões ao Big Brother, em 1984, de George Orwell, só distorcem a informação e geram medo.”

Correcção: A aplicação foi apresentada  a vários membros do Governo​ durante uma visita ao Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP)

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