O primeiro dia

No início de 1973, na sequência de uma campanha denunciando o assassinato de Amílcar Cabral, a PIDE tentou prender-me pela terceira vez montando uma operação espaventosa com carros e polícias de arma na mão. Não me apanharam.

Fui preso pela segunda vez pela polícia política, a PIDE/DGS, em finais de Agosto de 1971. Trazia ao colo o meu filho Filipe que ainda não tinha um ano de idade. Só tive tempo de o passar ao meu pai que seguia um pouco atrás de nós. Tive a duvidosa honra de ser um dos presos políticos que, então, foi estrear as novas instalações de tortura e interrogatório da polícia política acabadas de mudar para o Reduto Sul do Forte de Caxias.

Aí me aplicaram, com pequenos intervalos, três sessões de tortura do sono e de estátua, a mais prolongada das quais durou 8 dias e noites consecutivas. Acusavam-me de estar a criar o MRPP, mas como não conseguiram apurar nada sobre isso levaram-me novamente a julgamento no Tribunal Plenário (o tribunal político especial do regime) sob a acusação, entre outras, de editar conjuntamente com o Sebastião Lima Rego e o Amadeu Lopes Sabino – também réus nesse processo – uma pequena brochura sobre o “trabalho de inquérito” com textos de Marx e de Mao Tse Tung… Sob o pretexto das mobilizações contra a guerra do Vietnam e das lutas estudantis de 1968 e 1969 fui condenado a 14 meses de prisão (em 1965 já sofrera do mesmo tribunal uma primeira condenação de 15 meses de prisão). Cumpri-os no Forte de Peniche, essa grande escola de formação política, de solidariedade e de luta contra a ditadura que, em boa hora, se decidiu agora transformar em Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.

Quando saí, mal tive tempo para respirar. No início de 1973, na sequência de uma campanha denunciando o assassinato de Amílcar Cabral, a PIDE tentou prender-me pela terceira vez montando uma operação espaventosa com carros e polícias de arma na mão. Não me apanharam. Consegui escapar através de uma fuga acidentada pelas ruas de Lisboa que acabou comigo escondido nas urgências da Maternidade Alfredo da Costa…

Passei à clandestinidade. E numa madrugada inesquecível, bem cedo, a Hilda, a dona da casa que me dava abrigo, veio acordar-me afogueada: “Fernando! Acorda! Vem ouvir o que estão a dizer na rádio!”

E assim começou o primeiro dia do resto da minha vida.

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