A coragem venceu o medo no 25 de Abril

Havia de vir o dia feito da longa esperança. Chegaria? Havia de chegar. Como seria? Quando? Seria uma revolta geral? Uma revolução? Foi há 46 anos, a madrugada mais longamente esperada. E o dia 25 de abril foi tudo.

Havia um tempo em que o medo chegava a todo o lado, chegava aos ossos e à própria alma. O medo tinha medo de si próprio. Quando raptava os que o enfrentavam fazia-o de noite para que se não visse a ignomínia. O ofício do medo era infiltrar-se, entrar nas células, fazer os cidadãos vergarem-se e tomar as rédeas do destino.

Ao pé do mar, em Caxias, o forte prisão esmagava os que não tinham medo do império do medo. A Norte de Lisboa, em Peniche, a tocar no mar, outro forte, e a dor a esbarrar no mar imenso. Detrás das grades a força das vontades indomáveis. A ideia maligna da ditadura de enclausurar os presos frente ao mar. Sem saída. A solidão frente ao mar. E, no entanto, a esperança sempre.

O medo entranhou-se quase cinco décadas nos poros para sufocar a alma de cada um. Medo até de dizer o que se tinha para dizer aos familiares e amigos. A palavra livre não estava autorizada, só a domesticada podia correr no ar. O medo existia para impedir o enfrentamento com a poderosa máquina de maldade e para poder continuar a dilacerar as vontades e a todos enfiar no carreiro…

O medo, porém, tinha um mal de nascença – a coragem de quem desfraldava a esperança quotidiana. Como foi possível esperar sem desistir e porfiar pelo tempo novo?

O medo chegava aos ossos, à alma, mas não era bastante. O medo tinha medos – para conjurar o medo da juventude despejou nas Faculdades gorilas para impor o terror. Levou a guerra aos que muito longe não tinham já medo e impôs aos jovens de cá irem combater e servir de carne para canhão.

O medo perseguia, prendia, torturava e assassinava, tal era o desvario. Não impediu, contudo, que no regaço do tempo nascesse fecundado pela coragem outo tempo.

Havia de vir o dia feito da longa esperança. Chegaria? Havia de chegar. Como seria? Quando? Seria uma revolta geral? Uma revolução? Como seria esse tão esperado dia? Será que seria? Seria. O tempo que prendera o tempo havia de escoar-se, secar e morrer.

Foi de madrugada que veio o dia e o novo tempo, em Lisboa. Depois correu louco o país inteiro. Abriram-se as janelas e depois as ruas. A alegria ressoou nos corações da amada pátria. Vestiu-se de olhares festivos e deslumbrantes. Foi há 46 anos, a madrugada mais longamente esperada. E o dia 25 de abril foi tudo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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