Com Bruno Nogueira, o 25 de Abril é digital, mas não impessoal

Onde estavas tu no 25 de Abril de 2020? Eu estava de telemóvel em riste, a sorrir com as memórias de Eunice Muñoz, a chorar a ouvir Nuno Lopes à guitarra e, plasmada, a ver Vhils esculpir o rosto de Zeca Afonso na nossa memória colectiva. Nunca pensei celebrar esta data tão querida desta forma, em êxtase, com mais 60 mil pessoas, remota e solitariamente.

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Miguel Manso

Quando temos o país (e o mundo) à espera de voltar a acontecer, o alento chega por vias do ecrã do telemóvel. É aqui que reforçamos a certeza de que a cultura e o entretenimento alimentam almas — mesmo quando têm de encontrar canais para estar mais próximos de quem as procuram.

Se, em 1974, podíamos “ir para a rua gritar”, em 2020, a crise da covid-19 e os novos hábitos que surgem como sua consequência fazem-nos resguardar do contacto humano. Mas isso não significa que estejamos menos humanistas. Pelo contrário, se houve altura em que necessitamos de exprimir e de sentir que não estamos sós, este é o momento. Este é o agora para escrever a vida em versos e versinhos, em contos e densas narrativas, em anedotas e tragicomédias.

Ainda que estejamos confinados, temos de continuar a escrever-nos a nós próprios, com ultrapassagens e sem paragens. Já muito alardeado, e prova disso mesmo, é o facto de Bruno Nogueira estar a ser o timoneiro na redefinição da comédia — em altura de particular drama —, da partilha de grupo e do entretenimento em era de coronavírus. Como é que o Bicho Mexe é, pois, uma arte de estar próximo, com os lives de Instagram a lembrarem-nos de que somos todos iguais, ainda que uns tenham o dom de colocar a sua criatividade ao dispor de um batalhão, para que outros tenham o privilégio de a absorver. Vemos isso de segunda a sexta em dias de quarentena e tivemos a sorte de vivenciar esta redefinição da cultura, enquanto celebrávamos uma das datas mais importantes da democracia portuguesa.

Onde estavas tu no 25 de Abril de 2020? Cá eu estava de telemóvel em riste, a sorrir com as memórias de Eunice Muñoz, a chorar a ouvir Nuno Lopes à guitarra e, plasmada, a ver Vhils esculpir o rosto de Zeca Afonso na nossa memória colectiva. Nunca pensei celebrar esta data tão querida desta forma, em êxtase, com mais 60 mil pessoas, remota e solitariamente.

Vemos, com a pandemia que enfrentamos, que os planos que fazemos não são mais do que ilusões mentais. E se déssemos um pouco mais de importância ao presente do que ao futuro? Isto não significa que não possamos ter um projecto de vida, mas que sejamos, sim, mais conscientes da natureza dos nossos planos e mais flexíveis nas mudanças dos mesmos.

A beleza da trupe de Nogueira é essa mesma: a percepção de que no presente precisamos de rir, de sentir em conjunto, de empatia e amor. O canal de comunicação não importa, desde que seja contíguo.

E é por isso que este encontro diário ficará para a história do entretenimento em Portugal — precisamente porque conjuga todos os parâmetros que fazem falta no agora, sem pensar, descaradamente, no que vem a seguir. 

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