Do laboratório ao estrelato: os virologistas que falam sobre o coronavírus

t-shirts com as suas caras e há mesmo quem planeie uma tatuagem. Virologistas com gosto em explicar o modo de funcionamento do vírus que provoca a covid-19 ganharam um papel importante.

Foto
O novo coronavírus SARS-CoV-2 NIAID/RML

De um dia para o outro, especialistas em virologia ou epidemiologia saltaram para a ribalta em muitos países por causa do novo coronavírus. À medida que o jargão científico se tornava comum e eram discutidas taxas de reprodução e a necessidade de “achatar a curva”, muitos ficaram numa função inesperada de porta-vozes ou explicadores. 

Alemanha

Christian Drosten, o virologista com podcast e T-shirts

O director do instituto de virologia do hospital Charité, em Berlim, tornou-se a personalidade da explicação do novo coronavírus - mais do que o presidente do instituto Robert Koch, responsável pela comunicação oficial, ou o ministro da Saúde. De tal modo que chegou a haver T-shirts à venda com a sua cara (entretanto as camisolas de “fãs de Drosten” já não estão disponíveis, a estação RTL especula que terá sido por desrespeito de direitos de imagem).

Christian Drosten, 47 anos, é especialista em vírus emergentes, e foi, em 2003, junto com um colega, o primeiro cientista ocidental a identificar o vírus da SARS (pneumonia atípica) e a desenvolver um teste para o seu diagnóstico. Quando apareceram os primeiros casos de covid-19 na Alemanha foi muito ouvido nos media mas dizia-se frustrado por não haver espaço suficiente para explicar as razões de algumas suposições sobre o novo coronavírus.

Assim, quando a rádio NDR o convidou para um podcast, Drosten aceitou e o podcast  tornou-se rapidamente no mais ouvido da Alemanha no iTunes. É um pouco mais de meia hora de conversa com uma jornalista de ciência da estação, que também faz perguntas baseadas em questões enviadas pelos ouvintes.

Quando põe hipóteses, Drosten é sempre muito claro, explicando de onde vem a ideia - seja de estudos sobre este vírus, seja de estudos anteriores com outros coronavírus -, mas sublinhando as incógnitas. Tem falado de tudo, do uso de máscaras, baseando-se em dois estudos cujas conclusões são contraditórias, à distância social que se deve ter a fazer desporto, às possíveis “mortes não detectadas” da covid-19. Num dos episódios, Drosten é questionado sobre a sua fama recente. “Não é uma coisa de que goste muito”, disse o investigador.

Grécia

Sotirios Tsiodras, o especialista de doenças infecciosas que é o “polícia bom"

O especialista em doenças infecciosas Sotirios Tsiodoras, porta-voz da Organização Nacional de Saúde na Grécia, tornou-se uma figura respeitada com os conselhos dados aos gregos sobre o novo coronavírus nas conferências de imprensa diárias, às 18h.

Foto
Sotirios Tsiodras quando visitou uma clínica com casos de covid-19 EPA

Nascido em Sydney, Tsiodras estudou na Grécia e nos EUA (Harvard) e em poucos dias transformou-se numa figura popular no país - a mais popular mesmo, segundo uma sondagem da estação de televisão Alpha.

De 54 anos, e pai de sete filhos, chegou a emocionar-se a falar de mortos ou da necessidade de proteger os mais velhos na conferência de imprensa. Mais recentemente, debruçou-se sobre a dieta dos gregos, sugerindo uma alimentação mais saudável agora que terminou a Páscoa (ortodoxa, no fim de semana passado). Até agora, os gregos têm seguido os conselhos de Tsiodras e as regras que têm sido decretadas. E as restrições aplicadas mais cedo resultaram numa contenção do número de infectados e de mortes fazendo do país um caso exemplar

Em contraste com Tsiodoras, o seu companheiro nos briefings é o vice-ministro da Protecção Civil, Nikos Hardalias, um antigo vice-presidente de câmara que faz de “polícia mau” para o “polícia bom” que é o académico. Hardalias, 51 anos, dois filhos (conta de Instagram NickHardGr), é quem avisa para as consequências. “Não vai haver qualquer tolerância para quem não cumprir as restrições”, avisou quando estas foram impostas. “Chega de desculpas!”, irritou-se um dia após relatos de pessoas que circulavam dizendo que tinham de arranjar canos, por exemplo. 

Suécia

O epidemiologista-chefe Anders Tegnell tem uma legião de fãs e outra de críticos

O modelo sueco de resposta ao coronavírus é diferente de quase todos os outros países europeus. As restrições são menores, embora algumas medidas decididas agora noutros países já fossem normais na Suécia, como o teletrabalho. Quem decidiu a estratégia, e dá a cara por ela, é Anders Tegnell, que tem o cargo de epidemiologista chefe do país e assim é encarregado de decidir, de modo independente do poder político, as medidas a aplicar. Tegnell foi encerrando grandes espaços aos poucos, mas na Suécia as creches e escolas estão abertas, assim como restaurantes. E lojas de tatuagens também: é numa delas que um dos seus fãs, Gustav Lloyd Agerblad, 32 anos, de Estocolmo, planeia fazer uma com o retrato de Tegnell, conta o jornal Göteborgs-Posten - que registou a cara de surpresa, e o riso, do epidemiologista quando lhe contaram.

Foto
Andreas Tegnell Reuters

Tegnell tem afirmado que muitas das medidas aplicadas nos outros países não têm base científica pela simples razão de que não se sabe ainda como o vírus se comporta. Diz ainda que a abordagem sueca não se distingue assim tanto - tenta que não haja tantas transmissões para que o sistema de saúde consiga tratar os que precisam, mas por restrições voluntárias dos cidadãos. Os números crescentes de infecções e mortes têm levado a especulação de que o país pode mudar o rumo, mas até agora, isso não aconteceu.

O nível dos admiradores tem paralelo nos que o criticam: outros 22 cientistas escreveram uma carta aberta pedindo ao Governo que intervenha e tome medidas mais restritivas. “Estão a encaminhar-nos para uma catástrofe”, disse Cecília Sóderberg-Nauclér, investigadora em imunologia no Instituto Karolinska. 

Tegnell não é imune à polémica: teve um papel importante na resposta sueca à pandemia da gripe suína em 2009; a sua decisão de vacinar cinco milhões de suecos, dos quais 500 desenvolveram um problema neurológico (narcolepsia), foi muito criticada.

Itália

Ilaria Capua, a cientista que publicou um livro na melhor altura 

A pandemia tem sido realmente global em Itália: uma das vozes mais ouvidas nos media é a de uma cientista que não está, no entanto, no país. Ilaria Capua é directora do Instituto de Patogenos Emergentes na Universidade da Florida (EUA) mas tem feito intervenções frequentes nos media italianos com informação clara e conselhos ao público sobre o coronavírus.

Foto
Ilaria Capua DR

Capua, 54 anos, é cientista mas passou três anos no Parlamento italiano, onde foi um “organismo politicamente modificado”, como se descreveu a si própria. Saiu em 2016.

Com formação em veterinária, estudiosa de doenças que passam de animais para pessoas e em vírus emergentes, tendo um trabalho reconhecido na gripe das aves, o curriculo de Capua torna-a perfeita para falar do novo coronavírus.

Mais ainda, publicou no ano passado um livro sobre a “revolução necessária” na relação dos humanos com a natureza e os animais, cuja tradução em inglês Circular Health: Empowering the One Health Revolution deverá sair no Verão. No livro, Capua diz que é preciso “repensar caminhos, e sugerir novas e revolucionárias vias para conseguir um equilíbrio melhor com animais, plantas e ambiente”. O modo como a acção humana potencia a passagem de doenças de animais para humanos é um dos debates a que a pandemia veio dar mais urgência.

Capua tem ainda sido grande defensora da transparência e partilha de dados na comunidade científica para aumentar a rapidez de soluções eficazes e para desmontar mitos: no caso italiano, travou uma batalha contra a ideia de que eram os italianos que estavam a disseminar o vírus na Europa.

Nas suas últimas intervenções, Capua avisou que o vírus não vai desaparecer no Verão, e alertou para o perigo de uma segunda vaga de infecções.

Bélgica

Emmanuel André, o herói nacional que precisou de uma pausa

Na Bélgica, Emmanuel André, 37 anos, é o rosto principal dos pontos de situação sobre a covid-19 no país, todos os dias, às 11h. É responsável do laboratório do pólo de doenças infecciosas do hospital universitário de Lovaina, e um dos seus temas predilectos é a tuberculose em África.

Foto
Emmanuel André numa das suas explicações televisivas

Apesar de estar mais habituado a estar no laboratório do que em frente às câmaras, foi escolhido com porta-voz interfederal da luta contra a covid-19. “Gosto de explicar as coisas”, diz simplesmente.

Nas conferências de imprensa, alterna as explicações científicas com conselhos aos belgas: dizendo, por exemplo, que “fazer bricolagem” é uma boa maneira para promover serenidade no confinamento, como contou a estação de televisão francófona RTBF, e assim conquistou a simpatia de muitos belgas. Aliás, lojas de bricolagem, assim como hortos, reabriram há uma semana, com as mesmas regras dos supermercados, para permitir que as pessoas em isolamento possam tratar das suas casas e jardins. 

Durante a crise provocada pelo novo coronavírus, os dias do especialista começam às seis e acabam à meia-noite, relatou num perfil do jornal Le Soir. Na sexta-feira, no entanto, André anunciou que iria fazer uma pausa: “Passámos a outra fase da epidemia, que levará tempo. Chegou o momento de tirar alguns dias para estar com os meus filhos, que não tenho visto muito nestes últimos meses, e de pensar como posso contribuir no futuro”, declarou.

Sugerir correcção