Valentim de Carvalho reedita em formato digital dezenas de discos esgotados

Do 25 de Abril ao Festival RTP da Canção, a Valentim de Carvalho começou a relançar em formato digital dezenas de discos esgotados do seu catálogo.

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A editora Valentim de Carvalho está a relançar em formato digital, nas plataformas de streaming ou para compra, dezenas de discos do seu fundo de catálogo, originalmente editados em vinil como singles, EP ou LP e recuperando as capas da edição original. Os primeiros títulos relacionam-se com o 25 de Abril e com o Festival RTP da Canção.

O disco mais antigo desta série é um EP de José Afonso, editado em 1964 e que teve a primeira edição censurada devido a uma canção, Ó vila de Olhão. As restantes canções eram Coro dos caídos, Canção do mar e Maria. Nos discos enviados para a rádio, Ó vila de Olhão era riscada com um prego, pela censura, para evitar a sua transmissão. E isso levou a Valentim de Carvalho a fazer uma segunda edição do disco, com uma capa diferente, onde Ó vila de Olhão (que fechava o disco) surgia em versão instrumental, onde à viola de Rui Pato, que acompanhou José Afonso nesta e noutras gravações, se juntou o Conjunto de Guitarras de Jorge Fontes. O que dizia a letra, que irritou os censores? Coisas como “Com papas e bolos/ Engana o burlão/ Os que de lá são/ E os que p’ra lá vão”; “Larga ó pescador/ O que tens na mão/ Que o peixe que levas/ É do teu patrão”; “Vem o mandarim/ Vem o capitão/ Paga o pagador/ Não paga o ladrão.”

Este EP foi o sexto gravado por José Afonso, que já gravara dois em 1960, um em 1962 e dois em 1963. E gravou-o num momento de viragem. Nesse ano de 1964 casara com Zélia Afonso, em Janeiro, e estava prestes a mudar-se para Moçambique, onde iria dar aulas na então cidade de Lourenço Marques, hoje Maputo. Numa carta a Albano da Rocha Pato, pai de Rui Pato, escreveu: “Antes de me despedir temporariamente (?) das canções para envergar a antipática personalidade de colono imperialista, gostava de gravar um disco. Se os tipos da Rapsódia me garantirem uma boa gravação com cachet compensador para mim e para o seu filho, sem esquecer percentagens, estarei disposto a deslocar-me até Lisboa ou Coimbra. Tenho mais jogo na manga que não quero extraviar ou esquecer.” (in Desta Canção Que Apeteço. ed. AJA/CMG) E não extraviou nem esqueceu, porque nesse ano de 1964 sairia ainda o seu primeiro LP, Baladas e Canções, que alimentaria a edição de três EP até ao retomar dos discos, já em Portugal, em 1968.

No livro Cantares (ed. Nova Realidade., 1967), José Afonso descreveu o Coro dos caídos “como que um complemento dos vampiros entretidos, após a batalha, na recolha dos mais valiosos despojos.” Canção do Mar teve por inspiração a Figueira da Foz, Maria foi escrita a pensar em Zélia Afonso (“reconciliou-me com a água fresca e com os tons maiores”) e Ó vila de Olhão (“minha terra adoptiva”, escreveu ele) era, na sua descrição, uma “crónica rimada” das viagens de comboio que ali o levavam: “Servida pela cadência do ‘pouca-terra’, versa um tema alusivo às vicissitudes por que passa o mexilhão quando o mar bate na rocha. A culpa não é do mar.” A letra dizia o resto.

De Pedro Barroso a Luís Cília

Os outros discos deste segmento foram todos editados após o 25 de Abril e estão com ele relacionados, devido ao fim da censura e aos temas da época. Por exemplo, 1.º de Maio, de Pedro Barroso, editado num single que tinha no lado B Medicina social (e que agora se reedita na íntegra), foi uma canção escrita “no dia 2 de Maio de 1974, de forma emotiva e ainda na ressaca dos acontecimentos do dia anterior”, como recorda João Pedro Almeida da Rocha no livro Liberdade é Fruto (ed. SFAAC, Coimbra, 2017). De Pedro Barroso é ainda reeditado o single Pastilhas Reacção (1975). Directamente ligados ao espírito da época estão os singles Avante Camarada, por Maria da Glória; Somos Livres (“Uma gaivota voava, voava”), de Ermelinda Duarte; ou Grândola vila Morena, pelo Grupo Coral dos Ceifeiros da Casa do Povo de Cuba, do Alentejo.

A completar este lote, estão dos dois primeiros singles de Alberto Júlio, um cantautor que ainda gravou dois LP e quatro singles entre 1975 e 1977, após os quais deixou em definitivo as gravações (Terra Vazia e Vem Liberdade, ambos de 1975); o último single gravado por Vieira da Silva (A Sudoeste, 1976), um cantor ligado à revista Mundo da Canção que se iniciara nos discos em 1969 com Canção Para um Povo Triste; e, por fim, mas com maior relevo, Resposta, o LP que Luís Cília lançou em 1975, gravado com músicos como Pedro Caldeira Cabral (guitarra e flauta) ou Olga Prats (piano) e com canções como Parábola Aberta, Angústia Terceira, 28 de Setembro e Confissão.

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Luís Cília, que tem no seu vasto currículo musical inúmeras composições para cinema, teatro e televisão, lançou o seu primeiro LP no exílio, em França, em 1964, então pela Le Chant du Monde: Portugal-Angola, Chants De Lutte (mais tarde reeditado com o título Meu País). Ainda em França, e até ao 25 de Abril, lançou o EP Portugal Resiste, um single com músicas do filme O Salto, três LP da série La Poésie Portugaise de Nos Jours e de Toujours e, por fim, o LP Contra a Ideia da Violência, a Violência da Ideia.

Festival para todos os gostos

Quanto ao Festival RTP da Canção, esta primeira série de edições inclui singles com as canções vencedoras em nove concursos, de 1958 a 1981, relançadas com os lados B (excepto no caso de Manuela Bravo) e com as capas originais: Vocês sabem ..., de Maria de Fátima Bravo (vencedora do primeiro festival, em 1958), Oração, de António Calvário (1964), Sol de inverno, de Simone de Oliveira (1965), O vento mudou, de  Eduardo Nascimento (1967), Verão, de Carlos Mendes (1968), Desfolhada portuguesa, de Simone de Oliveira (1969), Onde vais rio que eu canto, de Sérgio Borges (1970), Sobe, sobe, balão sobe, de Manuela Bravo (1979) e Playback, de Carlos Paião (1981).

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Entre as canções concorrentes, mas não vencedoras, são agora reeditadas seis da década de 1960, treze da década de 1970 e três da década de 1980, sendo as primeiras defendidas no festival por António Calvário (Encontro para amanhã, 1966), Tony de Matos (Nada e ninguém, 1966), Duo Ouro Negro (Livro sem fim, 1967; e Tenho amor para amar, 1969), Marco Paulo (Sou tão feliz, 1967) e Quarteto 1111 (Balada para D. Inês, 1968).

Da década de 1970, os intérpretes são Maria da Glória (Folhas Verdes, 1970), Manuel Vargas (Vem o caminheiro, 1972), Tozé Brito (Se quiseres ouvir cantar, 1972), Paco Bandeira (Vamos cantar de pé, 1972; É por isso que eu vivo, 1973; Batalha-Povo, 1975; Férias, 1977), Simone de Oliveira (Apenas o meu povo, 1973); Duo Ouro Negro (Bailia dos trovadores, 1974), Green Windows (No dia em que o rei fez anos e Imagens, 1974), Concha (Qualquer dia quem diria, 1979) e Gabriela Schaaf (Eu só quero, 1979).

Dá década de 1980, são todas de 1983: Alexandra (Rosa Flor Mulher) Carlos Paião e Cândida Branca (Flor Vinho do Porto (Vinho de Portugal)) e Sofia (Terra Desmedida).

Há, por fim, dois EP de versões. Um do Conjunto Académico João Paulo, intitulado Eurovisão ‪1966 - 1.º e 2.º prémios, com as canções Nunca direi adeus, Ciao, Ele e ela (que, na voz de Madalena Iglésias, ganhou nesse ano) e Balada a uma rapariga triste. E Marco Paulo canta Eurovisão 1970, onde Marco Paulo canta em português quatro das canções a concurso na Eurovisão naquele ano: Knock Knock transformada em Toc-Toc, Gwendoline, Marie-Blanche e All kinds of everything (Todas as coisas de falam de ti).

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