Refugiados: o vírus está a chegar e “é mais do que tempo de agir”

O campo de refugiados de Moria, na Grécia, acolhe 20 mil pessoas. Elas “sabem perfeitamente que o vírus está a chegar, sabem o que têm de fazer e sabem que não podem fazer isso”. ONG pedem actuação por parte da Comissão Europeia e de Portugal.

Foto
Refugiados na ilha de Lesbos, na Grécia Reuters/COSTAS BALTAS

Enquanto Portugal e o mundo estão confinados às suas casas, cumprindo as recomendadas da Organização Mundial de Saúde (OMS), em plena pandemia de covid-19, há uma preocupação crescente com aqueles que sobrevivem em tendas de campismo, campos de detenção sobrelotados, cujas condições sanitárias e de segurança são “completamente desumanas”. Por toda a Europa surgem petições e cartas dirigidas à Comissão Europeia, a alertar para a “urgência” de agir e a pedir a retirada das pessoas dos campos de refugiados.

O maior campo de detenção na Europa e que gera maior preocupação é o campo de Moria, na ilha grega de Lesbos, que tem capacidade para acolher três mil pessoas e alberga cerca de 20 mil. Neste campo, segundo o director da organização Médicos Sem Fronteiras - Grécia, Vasilis Stravaridis, há apenas uma casa de banho para 200 pessoas e “uma torneira com água potável para cada grupo de 130 refugiados”. A ilha tem apenas um hospital para dar resposta à população mais aos habitantes de Moria. Este dispõe de seis camas de cuidados intensivos e seis ventiladores. Em Moria, há cerca de 500 pessoas que fazem parte de grupos de risco.

Medidas difíceis num campo que acolhe 20 mil pessoas

Apesar de o Governo grego ter anunciado medidas de prevenção nos campos de refugiados, como a criação de espaços para quarentena, controlo das entradas e saídas dos campos e um horário de recolher obrigatório, proteger as pessoas não é tarefa fácil. As principais recomendações consistem no isolamento social e lavar as mãos regularmente, algo impensável quando “estão 20 mil pessoas num campo que foi feito para três mil” e as condições sanitárias são “muito precárias”.

“Não há isolamento, as pessoas vivem com a família toda numa tenda de campismo e têm filas para tudo: para ir buscar comida, para ir à casa de banho, para lavar as mãos. Estão sempre muito juntas”, alerta Lokas Cruz, uma médica humanitária e activista pela Humans Before Borders (HuBB), que recorda a primeira vez em Moria como a primeira em que teve “vergonha de ser europeia”, por sentir que esta crise humanitária está a acontecer devido à “negligência política” e “inércia” gigantes.

Raul Manarte, também activista da HuBB, músico humanitário e psicólogo, esteve em Moria no passado mês de Fevereiro, com a Boat Refugee Foundation (BRF). Na altura “o campo estava péssimo e agora está pior ainda”. “Em 60% das instalações sanitárias não há água durante dez horas. Não há luz, o que quer dizer que, mesmo que haja água, as pessoas não se sentem seguras em dirigir-se às instalações à noite. Muitas mulheres dormem de fraldas, para não terem de ir aos quartos de banho, com medo de serem violentadas”. Em Moria, Raul ajuda pessoas que estão em stress pós-traumático, faz “a estabilização de pessoas que estão com ataques de pânico e tentativa suicida” e tenta fazer o encaminhamento possível. 

Lokas Cruz refere que “as medidas de lockdown que fizeram para fechar o campo causam ainda mais restrição e aumentam muito as tensões dentro do campo. As pessoas já estão no seu limite. Não são tratadas como pessoas desde que chegaram àquele campo, desde que fugiram do país de origem e atravessaram o mediterrâneo”.

A juntar à falta de condições dos campos e à tensão que se vive, “sabem perfeitamente que o vírus está a chegar, sabem o que têm de fazer e sabem perfeitamente que não podem fazer isso: não podem lavar as mãos com a frequência necessária; que não vão ter cuidados intensivos, se necessário, porque há seis camas em toda a ilha; sabem que não podem fazer distanciamento social porque estão cinco pessoas numa tenda ou estão vinte adolescentes num contentor”, sublinha Raul Manarte.

Porém, nesta altura, todos os esforços se unem para garantir a protecção e segurança de todos. Para fazer face à pandemia, um grupo de refugiados de várias nacionalidades juntou-se e formou o Moria Corona Awareness Team, para pedir a evacuação imediata dos idosos, doentes e menores, reportar as condições de vida no campo e ajudar as autoridades de saúde e as várias organizações que prestam apoio no local.

É tempo de agir... já é desde 2015

Várias organizações não-governamentais (ONG) que prestam apoio aos refugiados e fazem resgate no Mediterrâneo têm dirigido cartas à Comissão Europeia, a exigir uma resposta urgente às pessoas que estão nos campos de refugiados, em especial aqueles mais vulneráveis como os idosos, crianças e doentes crónicos. Face ao apelo feito pela Grécia, cinco países manifestaram interesse em acolher menores não acompanhados dos campos, como é o caso de Portugal. Já em 2019, Portugal assinou um acordo bilateral com a Grécia, para acolher mil migrantes que estão nas ilhas gregas. Para Lokas, “é mais do que tempo de isto acontecer e a verdade é que é tarde”.

Raul Manarte considera que a União Europeia pode fazer muito mais. “A Comissão Europeia já podia ter pressionado muito mais para, por exemplo, as pessoas não estarem em tendas, estarem em contentores. Isto é o mínimo dos mínimos”.

Também Portugal “pode e deve fazer mais”. Na quinta-feira, dia 16, o Conselho Português para os Refugiados (CPR), a Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) e a Humans Before Borders (HuBB) estiveram reunidos, através de videochamada, numa audição parlamentar na Comissão de Assuntos Europeus, para pressionar o governo a efectivar a vontade de acolher menores refugiados.

Raul Manarte foi um dos representantes da HuBB a estar presente na audição e sublinha que é importante transmitir a realidade dos campos, “não só os números, mas como é que estes números se traduzem em sofrimento humano”. Além disso, as organizações alertaram para a possibilidade de Portugal abrir os portos para ONG de resgate de busca e salvamento no Mediterrâneo, uma vez que Itália, França e Malta estão com os portos fechados.

Solidariedade não faz quarentena mas contagia

“A Solidariedade não faz quarentena” é o nome da campanha de angariação de fundos lançada pela Humans Before Borders no início de Abril. O objectivo da campanha era atingir os 30 mil euros, para dar apoio financeiro às ONG médicas nos campos de Lesbos e Samos. A campanha depressa ultrapassou as expectativas e já foram angariados mais de 36 mil euros, com mais de mil doações.

"A resposta trouxe-nos a todos uma esperança. É mesmo bom sabermos que, apesar de tudo, estamos juntos e que a nossa humanidade é maior”, refere a médica humanitária Lokas Cruz. “Quando as pessoas sabem o que se passa e sabem como ajudar, as elas ajudam. Muitas vezes falha uma destas duas coisas”, considera Raul Manarte, o autor do tema “Moria” que dá voz à campanha, acrescentando que não tem dúvidas de que a maioria das pessoas quer tirar os menores não acompanhados de um campo onde viu “cinco menores esfaqueados em cinco dias, onde uma criança assassinou outra, um bebé morreu desidratado… ninguém quer isto”.

A iniciativa faz parte de uma das muitas campanhas, cartas e petições que surgiram nas últimas semanas, para pressionar a Comissão Europeia e estados-membros a procurar uma resposta urgente para a crise humanitária que se vive nos campos de refugiados das ilhas do Mar Egeu. Para além de apoiar estas iniciativas, os portugueses podem ajudar estando atentos e informados, apoiando iniciativas que pretendem pressionar ao Governo ou fazendo donativos para ajudar ONG no terreno.

Texto editado por Ivo Neto

Sugerir correcção