Os dias da rádio enquanto palco cultural

Os equipamentos culturais de Ílhavo não tardaram a adaptar-se à nova realidade. Usaram a rádio para ir ao encontro do público, com tamanho à-vontade que até foram desafiados a coordenar um festival dedicado ao 25 de Abril.

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Adriano Miranda
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É a partir do primeiro andar da Casa da Cultura de Ílhavo (CCI), de frente para uma grande janela com vista para o centro da cidade, que Maria Inês Santos conduz, de segunda a sexta-feira, a emissão da Rádio 23 Milhas. A apoiá-la estão mais três elementos da equipa técnica e da produção do projecto cultural do município de Ílhavo. Porque o que está em causa não é um mero programa radiofónico, mas sim uma mistura de rádio e televisão, em directo, com espaço para concertos, entrevistas e discos pedidos. Durante três horas, das 16h às 19h, a rádio transformou-se num palco cultural, substituindo-se aos que se mantêm encerrados ao público por força da pandemia. A experiência tem corrido de tal forma bem que a Rádio 23 Milhas acabou por ser desafiada para dar palco a um festival dedicado ao 25 de Abril. Chama-se Festival Liv(r)e e vai para o ar esta sexta-feira, sábado e domingo.

A programação resulta de uma parceria entre o Camaleão, a MPAGDP — A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria e do próprio 23 Milhas (com o apoio do Bons Sons e Associação José Afonso), contando com a participação de doze artistas. Serão quatro sessões de rádio – nos dias 24, 25 e 26, às 21h30 e uma emissão especial no dia 25, às 17h30 – com três concertos de 30 minutos em cada uma delas, para assistir em directo na página de Facebook d’A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria.

Clã, Galandum Galundaina, João Berhan, Adélia, João Francisco, Pedro Mestre, Mariana Root, Edgar Valente, Quiné Teles, Tiago Sami Pereira, Tiago Jesus e Vasco Ribeiro são os artistas confirmados. “Oriundos de diversas zonas do país, estão ligados por uma visão comum da música e do seu papel interventivo, construtivo e redentor. Pela palavra, pela composição ou pelo propósito das suas canções, foram seleccionados pelos três organizadores para cantarem a liberdade”, destaca a organização.

A emissão através das ondas hertzianas também está assegurada, a partir da frequência da Rádio Terranova, que transmite em 105.0 FM para toda a região de Aveiro. Porque é exactamente assim, nesse simultâneo internet e frequência modelada, que tem vindo a ser feito pela Rádio 23 Milhas desde o passado dia 13, data em que foi lançada esta aposta de levar a cultura até à casa dos cidadãos.

“Há estruturas e artistas que estão neste momento a pensar na sua sobrevivência e nós enquanto estrutura pública temos uma estabilidade diferente e a obrigação de conseguir reagir”, enquadra Luís Ferreira. A essa condição juntou-se uma outra “grande vantagem”. “Já trabalhávamos com várias ferramentas, diferentes daquela ideia clássica de que a cultura no município é um punhado de espectáculos”, sustenta o programador cultural, reparando que “a rádio é uma dessas ferramentas” – o 23 Milhas promove, anualmente, o Festival Rádio Faneca.

Uma obrigação perante os artistas

Com a sua emissão diária, o 23 Milhas continua a ter “um palco”, um espaço para o qual foi transferindo “os concertos, espectáculos, conversas e debates” cancelados devido à pandemia. Foram cerca de 100, revela Luís Ferreira. Nem todos poderão ser transferidos para a rádio, mas os que podem aí estão, no ar, a fazer-se ouvir. “Não estamos só a pagar assumindo o compromisso, como estamos a transformar o nosso compromisso num outro projecto e ao qual à comunidade pode aceder”, realça o programador, que gostava que o exemplo de Ílhavo fosse replicado no resto do país. “Se todas as 308 câmaras tiverem projectos pequenos, ajudaria a manter esta relação e este compromisso entre público, estruturas e artistas”, defende, lembrando que estes últimos têm sido dos mais afectados com esta crise.

Da parte do 23 Milhas, a aposta passa por continuar a reagir às exigências ditadas por este tempo de confinamento. “Temos mais dois projectos que vão ser lançados: um ‘kit da cultura do dia-a-dia’, em parceria com as restantes estruturas culturais do município; e, numa outra fase, [...] queremos trabalhar tecnicamente projectos que vivam desta desta relação mútua entre o palco e as redes sociais, e a Internet no geral”, adianta Luís Ferreira.

O Festival Rádio Faneca também deverá ser adaptado. “Não vai haver as noites para grandes multidões”, repara, acrescentando: “o que estamos a manter e a lançar são os desafios de co-criação com a comunidade”. Projectos base “como a Casa Aberta ou a Bida Airada” terão “uma relação com a comunidade através do Zoom, do Skype e de outras redes”. A sua apresentação final ao público também poderá acontecer num formato mais virtual ou “responder às regras de circulação do momento”.

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