Galp vota dividendos em dia de protestos de sindicalistas e ambientalistas

Accionistas vão votar 318 milhões de euros em dividendos, numa AG infiltrada por activistas, enquanto à porta da refinaria de Sines se contestará a dispensa de 380 trabalhadores com vínculos precários.

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Sindicato diz que 380 pessoas ficaram sem trabalho na refinaria de Sines Sandra Ribeiro/arquivo

Numa versão online adaptada aos tempos de pandemia, os accionistas da Galp vão reunir-se esta sexta-feira, 24 de Abril, para aprovar, entre outras coisas, a distribuição de uma segunda tranche de dividendos relativos ao exercício de 2019. São 318 milhões de euros, que se somam aos 260 milhões já pagos em Setembro, num total de 580 milhões de euros, que correspondem a um dividendo de 70 cêntimos por acção, e estão acima dos lucros registados pela empresa (537 milhões).

A maior fatia vai para a Amorim Energia, que é liderada pela família Amorim, mas também tem participação da Sonangol e de Isabel dos Santos. A Amorim Energia tem 33,34% da Galp e vai receber cerca de 192 milhões de euros (somando as duas tranches). O Estado, que tem 7,48% do capital, através da Parpública, receberá 43 milhões de euros.

Se dúvidas havia sobre a indicação de voto que o Governo daria à Parpública sobre a distribuição de dividendos, António Costa desfê-las na quarta-feira, quando foi questionado pela líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, na Assembleia da República. “Não há razão para impedir as empresas de distribuírem dividendos se não estiverem a beneficiar de nenhuma medida de auxílio”, afirmou o primeiro-ministro.

Enquanto accionista, o Estado “fica muito satisfeito por receber a quota-parte dos dividendos a que tem direito e que é útil para financiar a [sua] actividade”, acrescentou António Costa.

O Estado não será seguramente o único accionista satisfeito por validar a distribuição dos dividendos da Galp, mas isso não significa que, ainda que discordasse, pudesse impedi-la. Mesmo sendo o segundo maior accionista, as acções que estão na posse do Estado não valem mais que quaisquer outras, como a petrolífera recorda na convocatória da AG.

“Nenhum direito especial está associado a esta categoria de acções”, lê-se no documento, onde a Galp também recorda que as únicas acções que não estão em bolsa “são detidas pela Parpública e, nos termos da legislação aplicável à privatização [a 5ª fase de reprivatização, em Agosto de 2010], devem ser colocadas em mercado regulamentado”.

Já em 2017 a Galp dizia ao PÚBLICO que “o processo de privatização deverá, de acordo com o previsto, culminar com a dispersão deste bloco pelo mercado, reforçando as condições de negociação e a oportunidade de investimento no título”.

Protestos em linha e em Sines

A assistir à AG desta tarde (tem início previsto para as 15h) deverão estar quatro activistas do grupo Climáximo, que compraram quatro acções para poderem participar no evento e colocar questões à administração sobre a crise climática e os relatos de despejos forçados em Moçambique devido ao grande projecto de exploração de gás natural na bacia do rio Rovuma.

Em paralelo, decorrerão online várias formas de protesto (no âmbito de uma iniciativa intitulada “Galp must fall”, ou a “Galp tem de cair”, incluindo “uma twitterstorm com a hashtag Galpmustfall, para tentar tornar o assunto no mais falado do Twitter”, como explicou ao PÚBLICO um dos organizadores.

Mais ao final da tarde, haverá outro protesto com uma localização física bem definida: a entrada da refinaria de Sines. Organizado pelo SITE Sul, contará apenas com dirigentes sindicais, porque os tempos obrigam a cumprir as regras de distanciamento social, sublinhou ao PÚBLICO Hélder Guerreiro, um dos dirigentes, que também pertence à comissão de trabalhadores da Petrogal.

O objectivo é contestar os despedimentos ocorridos nas últimas semanas na refinaria, que vai parar a produção no próximo dia 4 de Maio. São cerca de 380, nas contas do sindicato.

Não se trata de trabalhadores directos da Galp, mas sim de trabalhadores ao serviço de empresas subcontratadas – incluindo a CMN, que por sua vez é uma subcontratada da Martifer, a quem a Galp adjudicou o contrato global de manutenção da refinaria de Sines, em Fevereiro de 2018, por três anos.

A Galp, que emprega directamente em Sines cerca de 550 pessoas, assegurou ao PÚBLICO que “não realizou despedimentos nas refinarias nem tem contemplada essa situação”.

A afirmação é, para Hélder Guerreiro, apenas “uma saída airosa”, porque são as condições impostas pela petrolífera que geram o efeito de dominó que afecta os trabalhadores.

“Foi a Petrogal que deu indicação de que iria reduzir o valor do contrato de manutenção da refinaria em 60%”, o que levou a Martifer e a sua subcontratada a dispensar os 80 trabalhadores, onde se incluem um delegado sindical e um dirigente sindical, afirmou.

Trabalho precário

A maioria dos 80 trabalhadores dispensados pela CMN, “com contratos a termo incerto, são dos precários, menos precários”, porque os “ultraprecários, os que ganham à hora” e desempenham uma variedade de funções na refinaria, foram os primeiros a ir.

Destes, que são contratados a empresas de trabalho temporário, “como a Manpower e a Randstat, e que só ganham se trabalharem”, contam-se em pelo menos 300 os que foram mandados embora, disse o dirigente sindical.

Na refinaria de Sines há, de resto, muito recurso a esta forma de trabalho precário. Para actividades como a “manutenção dos tanques, a montagem de andaimes, as limpezas, os isolamentos, há outras empresas que também recorrem à hora”, explicou Hélder Guerreiro.

Irão todos estes trabalhadores regressar quando a refinaria retomar a laboração normal? A convicção do dirigente do SITE Sul é que os 80 trabalhadores da CMN “vão ser convidados a voltar, já com salários inferiores e piores condições”.

“Eles são necessários,” e “a prova” é que quando se discutiram os serviços mínimos para a última greve, “a Petrogal insistiu, no Ministério do Trabalho, que eram todos precisos para garantir a integridade das operações”, acrescentou.

Pelo contexto de crise de saúde pública, o protesto marcado para as 19h30 desta sexta-feira é quase como que uma “iniciativa simbólica” de quem não quer deixar passar em branco a “destruição de postos de trabalho” numa empresa com a dimensão da Galp.

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