O papel do oceano no combate à covid-19

É de um ambiente inóspito do fundo do oceano que vem uma das componentes cruciais do teste que está a ser usado para diagnosticar o novo coronavírus.

Esperava-se que 2020 fosse um ano charneira em matéria de decisões internacionais nas áreas das alterações climáticas, biodiversidade e do oceano. 2020 seria um ano marcante na tomada de decisões políticas a nível global, com Portugal como país anfitrião de duas importantes reuniões internacionais. O ano que antecede a Década das Nações Unidas da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (20121-2030) era o que reunia os países do mundo em Lisboa para a 2ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, e co-organizada pelos governos de Portugal e do Quénia, num esforço conjunto para tomar medidas de proteção da vida marinha e estímulo a um oceano produtivo e sustentável. Era também o ano em que os países da Convenção OSPAR, um mecanismo legal que deu forma a uma convenção marinha regional que tem como objetivo proteger o meio marinho do Atlântico Nordeste, se iriam reunir em Lisboa. Esta reunião foi adiada como consequência do surto de covid-19 e o mesmo aconteceu com a 2ª Conferência dos Oceanos.

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Esperava-se que 2020 fosse um ano charneira em matéria de decisões internacionais nas áreas das alterações climáticas, biodiversidade e do oceano. 2020 seria um ano marcante na tomada de decisões políticas a nível global, com Portugal como país anfitrião de duas importantes reuniões internacionais. O ano que antecede a Década das Nações Unidas da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (20121-2030) era o que reunia os países do mundo em Lisboa para a 2ª Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, e co-organizada pelos governos de Portugal e do Quénia, num esforço conjunto para tomar medidas de proteção da vida marinha e estímulo a um oceano produtivo e sustentável. Era também o ano em que os países da Convenção OSPAR, um mecanismo legal que deu forma a uma convenção marinha regional que tem como objetivo proteger o meio marinho do Atlântico Nordeste, se iriam reunir em Lisboa. Esta reunião foi adiada como consequência do surto de covid-19 e o mesmo aconteceu com a 2ª Conferência dos Oceanos.

Com a declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde e a crescente preocupação sobre o novo coronavírus (SARS-CoV-2), a doença respiratória aguda covid-19, tomou parte do nosso quotidiano, colocando-se agora questões sobre a procura de medicamentos para a recuperação e cura dos doentes infetados ou para quando a descoberta de uma vacina que pare esta pandemia mundial.

Além dos esforços que façamos individualmente com o distanciamento social e a quarentena com que nos comprometemos, existe toda uma comunidade de médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar de saúde e cientistas de todo o mundo que lutam incessantemente todos os dias para salvar as vidas do planeta! Estarmos recolhidos nas nossas casas dá-nos a esperança e permite ganhar tempo para que a curva da doença se atenue e não nos afete de forma incontrolada. É com isto que cada cidadão está comprometido, enquanto a comunidade científica mundial está empenhada na descoberta de uma nova vacina e na cura.

O oceano enfrenta inúmeras ameaças como as alterações climáticas, expansão térmica, acidificação, ondas de calor, desoxigenação, sobrepesca, pesca ilegal e até os plásticos que colocam em causa a sustentabilidade do oceano. É inegável, no entanto, que esta pandemia, e a retirada de cena de milhares de humanos das ruas e da vida como a conhecíamos, teve já um efeito positivo nalguns dos maiores ecossistemas do planeta e isso também nos deverá levar a refletir sobre a forma como pretendemos viver e desenvolver-nos na era pós-covid-19.

Mas num momento de crise profunda – desde logo de saúde, e depois social e económica, consequência das inevitáveis medidas para travar a propagação da doença covid-19, a importância da conservação do oceano e do uso sustentável dos seus recursos para o desenvolvimento sustentável revela-se de forma provavelmente desconhecida para muitos dos leitores.

Sabemos que no oceano profundo há uma enorme diversidade de microrganismos adaptados a condições extremas. Por exemplo, nas fontes hidrotermais temos ambientes inóspitos e com vulcões submarinos que jorram fluido carregado de metais, aquecido em profundidade pelo magma. Sob extrema pressão e acidez, num ambiente sem oxigénio e sem luz solar, os microrganismos não apenas sobrevivem, mas também prosperam. E isso é extremamente relevante para podermos encontrar neles inspiração para soluções novas para os problemas da sociedade!

Sabemos que esses microrganismos marinhos, que produzem imensos compostos que lhes permitem sobreviver nesses ambientes, nos têm oferecido soluções para tratar inflamação e dor, danos neuronais e mesmo o cancro. Sabemos também que o oceano tem sido fonte de outras soluções na área da biomedicina, nomeadamente ao nível do diagnóstico de doenças.

É de um destes ambientes inóspitos do fundo do oceano que vem uma das componentes cruciais do teste que está a ser usado para diagnosticar o novo coronavírus – e que também desempenhou o seu papel no diagnóstico de outras pandemias como a sida e a SARS. Este teste foi desenvolvido com a ajuda de uma enzima que é produzida por microrganismos encontrados fontes hidrotermais marinhas profundas como o Pyrococcus abyssi, ou caldeiras termais de água doce, como o Thermus aquaticus. Esta enzima, que funciona a temperaturas elevadas (perto dos 65 graus Celsius) dada a sua origem num ambiente de elevada temperatura, é essencial para a replicação do material genético (ARN/ADN) do vírus numa amostra, para que depois este possa ser posteriormente detetado com biotecnologia adicional.

Outros exemplos vindos do oceano e que podem ajudar no combate à covid-19 incluem a griffithsin, uma proteína derivada de uma alga vermelha, a Griffithsia sp., que foi utilizada como opção terapêutica para combater o coronavírus MERS-CoV, uma outra síndroma respiratória aguda de grande morbilidade cujo primeiro caso foi detetado em 2012. Atualmente testa-se também a hemoglobina extracelular (M101) do sangue de minhocas do mar com ensaios clínicos em França em pacientes que contraíram covid-19 com dificuldade respiratória.

O oceano, além de ser um bem em si mesmo, é vital para a humanidade enquanto regulador do clima, fonte de oxigénio, fonte de alimento, mas também porque encerra respostas para muitos dos problemas da civilização humana. Respostas que só podem ser cabalmente dadas com a uma forte aposta na investigação científica e na sua transferência para produtos inovadores no mercado disponíveis para quem mais deles necessita. O potencial do oceano profundo em soluções para problemas humanos é imenso, dada a enorme biodiversidade e ecossistemas que abriga. Quanto mais estudarmos e conhecermos esse mundo ainda tão desconhecido, mais bem apetrechados estaremos para lutar contra doenças e pandemias e para proteger e fortalecer o planeta, a nossa única casa.

É por isso fundamental que, na recuperação desta crise, saibamos olhar para o oceano como um aliado imprescindível. Temos de sair desta crise mais fortes para enfrentar o futuro, e só alcançaremos essa resiliência se apostarmos na ciência e numa relação mais harmoniosa com o oceano e a com a natureza em geral.

E sabendo que o oceano faz bem também apenas por estarmos perto dele, e como estamos em tempo de quarentena, podemos aproveitar para visitar e conhecer o oceano em família, sem sair de casa. Venham daí e divirtam-se nesta visita virtual com as inúmeras sugestões da Direcção Geral de Política do Mar!

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico