Um passo em frente

É necessário que Portugal leve a sério os exemplos da Coreia do Sul e de Taiwan e que, além do isolamento social e quarentena, consiga de facto realizar mais testes, para mais facilmente prevenir ou identificar clusters de infecção.

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Reuters/ANN WANG

Perante todos os efeitos que o surto de coronavírus está a provocar pelo mundo fora, experienciamos a abertura de uma caixa de Pandora. Apesar das vicissitudes do futuro serem ainda incertas, existem certas tendências que se demarcam. Uma dessas tendências é a declaração do estado de emergência, tal como o Governo português accionou após a resposta europeia — Portugal já nos habituou a esperar por uma conjuntura europeia “favorável” para agir. Contudo, apesar destas medidas, a comunidade internacional mostra-se ainda incapaz de conter o ritmo de crescimento de contágio e aplanar a curva epidemiológica. Existem excepções, nomeadamente certos países do Sudeste Asiático. Porquê resultados tão distintos? 

O corpo humano ao detectar em circulação o SARS-Cov-2 activa uma resposta imunológica primária e generalizada levando a alterações fisiológicas para o combater — como a febre. Após esta primeira reacção, o nosso sistema imunológico desenvolve anticorpos capazes de reconhecer e combater de forma específica o vírus. No mesmo sentido, inicialmente a resposta internacional à rápida propagação do vírus assentou numa restrição uniforme e generalizada da actividade social e económica com o objectivo de criar o maior clima de isolamento social possível. Só assim se tornou possível de quebrar as cadeias de transmissão em movimento pela população, muitas delas silenciosas, como no caso italiano. Mas a aplicação destas formas de restrição — geralmente associadas à suspensão provisória de direitos, liberdades e garantias — são apenas a reacção primária e visceral, tal como no nosso corpo. A seu prazo, os seus efeitos poderão ser mais nocivos do que o próprio vírus. É nesta próxima fase que entram em destaque as estratégias da Coreia do Sul e Taiwan

Actualmente, o nosso único anticorpo para os casos positivos é aplicação de medidas de quarentena ambulatórias e hospitalares de 15 a 21 dias. Esta é a nossa forma de combate. Mas para evitarmos aplicar esta forma de combate de forma generalizada — indiscriminada — durante um longo período de tempo, precisamos do máximo de informação possível sobre o movimento do vírus. A Coreia do Sul e Taiwan, após a sua resposta primária, investiram na realização massiva de testes à sua população. Universalizaram o acesso aos kits de detecção do vírus de forma ainda incomparável nos restantes países. Criaram inclusive os testes drive-thru, em que os cidadãos podem realizar a detecção do vírus sem sequer sair do carro. Criaram também um sistema digital em larga escala, integrado com o sistema de saúde, para o acompanhamento dos cidadãos em isolamento. Este sistema, utilizando a informação quotidiana de um cidadão que tenha sido testado como positivo, é capaz de avisar automaticamente todos os que tiveram em contacto próximo com o cidadão infectado. Desta forma, evitaram a sobrecarga das urgências e facilitaram a educação da população para o combate ao vírus. A Organização Mundial de Saúde, reconhecendo os bons exemplos, aclamou à comunidade internacional: “testem, testem e testem!”. É necessário mudar os protocolos europeus.

Não podemos reservar os testes de diagnóstico apenas aos cidadãos que precisem de cuidados hospitalares. Precisamos de diagnosticar o percurso da doença por toda a população. E, numa segunda fase, isolar apenas casos suspeitos ou positivos. Ou seja, a próxima etapa trata-se de generalizar os testes de diagnóstico e especificar o isolamento social. Consequentemente, este tracking transversal do vírus permite aumentar a previsibilidade epidemiológica, facilitando a alocação de recursos, a investigação do vírus e a conscientização da população  — que na Coreia do Sul se encontra num estado “calmo”. É essencialmente nestes pontos que reside o segredo do sucesso destes países no combate à pandemia.

O acumular das consequências políticas, sociais e financeiras da pandemia levará a uma redefinição da ordem internacional. São as decisões e emendas tomadas hoje que irão ditar os equilíbrios de amanhã. É, por isso, essencial incutir dinâmicas em saúde que permitam sustentar o combate pandémico, mas também preservar, ao máximo possível, as condições humanas e económicas das nações. Dessa forma, adoptar as técnicas dos países que melhor sucederam no combate à epidemia deve ser proporcional à nossa intenção de salvaguardar o futuro dos nossos concidadãos. É necessário que Portugal leve a sério estes exemplos e que, além do isolamento social e quarentena, consiga de facto realizar mais testes, para mais facilmente prevenir ou identificar clusters de infecção. Não deixemos para amanhã o que devemos fazer hoje. 

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