Soluções para uma crise anunciada

Devendo estar preparado para intervir, no plano europeu, na defesa dos seus interesses, Portugal não pode ficar refém das contradições, imposições, condicionalismos e chantagens da UE.

As implicações da covid-19 deram novos contornos e reforçada dimensão à crise em que a União Europeia se vem arrastando.

Se é certo que as consequências económicas e sociais do surto são já significativas, não é menos certo que o seu alcance, profundidade e duração dependerão, em grande medida, da resposta encontrada para lhes fazer face.

Até ao momento, em termos práticos, a resposta da UE parece decalcada do guião usado em 2008: cada um por si, gastará o que for preciso, endividando-se. A factura virá depois, para os mesmos de sempre. Desta feita, porém, as montanhas de dívida acumuladas na última década acentuam a fragilidade de alguns Estados, como Portugal. As célebres agências de rating aí estão novamente, mostrando que nem a “bazuca” do BCE impedirá que os especuladores continuem a lucrar à custa dos povos. 

As necessidades com que estamos confrontados – defesa dos rendimentos dos trabalhadores e das suas famílias, das suas condições de vida, e relançamento da actividade económica, assegurando a solvabilidade de um amplo tecido de Micro, Pequenas e Médias Empresas​ – exigem uma outra resposta.

Portugal deve defender, desde logo, um significativo reforço do Orçamento da UE, com garantia da sua função redistributiva e visando uma efectiva coesão económica e social. Condições que se devem também aplicar a qualquer “plano de recuperação” que venha a surgir.

Não sendo claros os contornos do plano sugerido pelo Eurogrupo, é real o risco de haver uma concentração primordial de recursos nas principais potências europeias, que são já hoje as maiores beneficiárias da integração. Recorde-se que foi precisamente esta a lógica que presidiu ao designado “Plano Marshall”, que não inocentemente é invocado agora como inspiração para o designado plano de recuperação.

No plano do financiamento das necessidades do Estado, torna-se essencial compatibilizar a garantia de acesso ao financiamento com medidas que travem a escalada do peso da dívida, com as consequências nefastas que daí poderão advir.

O PCP tem defendido a anulação da fracção da dívida pública suplementar, emitida pelos Estados para financiar as despesas decorrentes da covid-19, adquirida pelo Eurossistema no âmbito dos seus programas de compra de activos. Mais precisamente, a anulação dos títulos de dívida pública, emitidos pelos Estados neste período, que foram ou venham a ser adquiridos pelo Banco Central Europeu (BCE) e respectivos bancos centrais nacionais, no âmbito do programa de compra de obrigações de dívida soberana (PSPP) ou do programa de compra de activos devido a emergência pandémica (PEPP).

Os referidos títulos da dívida pública deverão ser apagados do balanço do BCE e dos respectivos bancos centrais nacionais, admitindo-se em alternativa a sua conversão em obrigações perpétuas de cupão zero.

Entretanto, a realidade demonstra à evidência a perversidade das regras de funcionamento do BCE. Podendo ceder liquidez ilimitada à banca, continua a não o poder fazer directamente aos Estados. Continua a justificar-se, assim, a possibilidade de financiamento directo do BCE aos Estados, nomeadamente através da compra directa de títulos da dívida pública nacionais, evitando a actual intermediação dos mercados financeiros, os ataques especulativos contra as dívidas soberanas e os lucros do capital financeiro à custa da redução das receitas que os Estados poderiam obter com uma venda directa de títulos da dívida ao BCE. As consabidas dificuldades inerentes à concretização desta possibilidade não devem calar a exigência.

Devendo estar preparado para intervir, no plano europeu, na defesa dos seus interesses, Portugal não pode ficar refém das contradições, imposições, condicionalismos e chantagens da UE.

Tal como na crise que irrompeu em 2008, a presente situação, e os seus previsíveis desenvolvimentos, confirmam que um país sem soberania económica e monetária, também por isso sobreendividado, deixado à mercê da chantagem dos especuladores e das instituições da UE, perante a total ausência de mecanismos de genuína solidariedade no plano europeu, enfrentará acrescidos obstáculos para defender o seu povo, os trabalhadores, as suas condições de vida, os seus serviços públicos, a recuperação da actividade económica.

Nessa medida, como tem dito o PCP, a recuperação de imprescindíveis instrumentos de soberania, designadamente no plano económico e monetário, constitui-se como necessidade estrutural e elemento da política alternativa de que o País precisa. 

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