O caso das “pensões” sobrelotadas. Depois de tamanha surpresa, que implicações?

Será que, de uma vez por todas, se vão criar alternativas de habitação dignas para quem mais precisa, para os mais vulneráveis da sociedade? Será que depois do choque se vão tratar a sério as questões da integração e do acolhimento? Será que de uma vez por todas se vai regular o mercado de habitação e colocar a vida das pessoas à frente do lucro?

As notícias recentes que dão conta da multiplicação de casos de “pensões” e casas sobrelotadas com migrantes, requerentes de asilo e deslocados por motivos de saúde que pagam 200 a 300 euros por cama em quartos com vários beliches, onde centenas de pessoas se amontoam, aparece como se algo novo se revelasse. Estes locais evidenciam-se porque são focos de transmissão covid-19, que se espalha como rastilho de pólvora. Outros vêm a público porque há ameaças e agressões a quem deixou de pagar a renda com a crise que se abateu. Vários responsáveis políticos têm reagido com surpresa, um espanto que não se compreende, apontando responsabilidades uns aos outros.

Estas situações acontecem há muitos anos e foram múltiplas vezes denunciadas. Surgem porque não foram criadas as estruturas necessárias ao acolhimento (os números apresentados por algumas entidades são ridículos, se comparados às necessidades reais) e o valor da habitação, num mercado ultra-liberalizado, apresenta valores ofensivos e completamente desconectados da realidade social do país. Por isso, as situações de sub-habitação vão-se desenvolvendo de muitas formas, afetando crescentes sectores cada vez mais vulneráveis no trabalho e na habitação.

É precisamente essa realidade, provocada pela ausência de políticas e por políticas erradas, que criou as bases para a instalação de formas e estruturas com características proto-mafiosas, que exploram a extrema vulnerabilidade, cobrando elevadíssimos valores por cama, em quartos sobrelotados e em condições desumanas, em que se chega a recorrer à violência para se fazerem pagar a tempo e horas.

Resta saber quais são as implicações do que está a vir a público, agora que se fez luz. Serão novamente os requerentes de asilo, refugiados, migrantes e doentes que terão ainda menos alternativas de alojamento? Será que muitos deles vão ser “convidados” a sair do país para aliviar os números? O que acontecerá às muitas centenas que ainda vivem nessas condições? O que acontecerá depois da recente deslocação de um dos grupos para uma base militar? E porquê uma base militar, com tantas casas vazias e ociosas em Lisboa, “vistos gold” e apartamentos turísticos que em tempos de pandemia poderiam ser requisitados?

Será que, de uma vez por todas, se vão criar alternativas de habitação dignas para quem mais precisa, para os mais vulneráveis da sociedade? Será que depois do choque se vão tratar a sério as questões da integração e do acolhimento? Será que de uma vez por todas se vai regular o mercado de habitação e colocar a vida das pessoas à frente do lucro?

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