As oportunidades económicas a partir de Maio

É pouco provável que na economia mundial “nada mais seja como dantes”. Mas é possível a fixação de novos pactos de harmonização e equilíbrio. Algo como o que se designa por solidariedade financeira na União Europeia e novas oportunidades de desenvolvimento na União Africana.

Vai começar o mesmo frenesi verificado quando se desencadeou a vaga mundial de confinamentos, mas agora no sentido inverso e com um fator importante em redução: há muito menos medo. Ao longo destas semanas, cada vez mais pessoas passaram a sair de casa em todo o mundo, a ponto de diversas sondagens constatarem níveis de respeito estrito das “quarentenas” em queda acentuada, seja aproveitando as saídas autorizadas prolongando-as, seja infringindo as regras.

Ao mesmo tempo a economia começou a fazer sentir a sua fatura e a falsa dicotomia “economia ou vida” deixou de ter sentido. Como outras dicotomias, tipo estado versus mercado ou crescimento versus ambiente. Tudo expressões que se completam quando se fala sério.

Um primeiro ponto importante na fase que, em todo o mundo, começará no mês de maio é o nível de informação. Hoje, não se sabe muito mais que há dois ou três meses sobre o comportamento deste vírus, nem há vacina nem sequer medicamento seguro e eficaz. Os próprios graus de imunidade são muito incertos, tal como eventuais fatores climáticos.

Os confinamentos evitaram afluxo concentrado de pacientes às redes hospitalares (afinal menos avançadas até nos países de alto desenvolvimento) mas é o confinamento que faz cair em grande parte do mundo a curva das infeções ou é o próprio ciclo do vírus? Porquê ricos bem alimentados e pobres subnutridos estão igualmente ameaçados? Porquê números tão largamente mais baixos de infeções e mortes em África que na Europa? Dizer que são situações temporárias e que o pior está por vir, é mero palpite. Ao fim de quase quatro meses nuns casos, dois em outros, continuamos na base de tanto pode ser uma coisa como outra.

Tal base permite olhar para os debates sobre quais as áreas da ciência têm mais capacidade de previsão e solução, constando que Medicina e Economia estão no mesmo ponto sobre temas elementares da vida. Talvez seja apressado dizer que a pré-historia ficou para trás.

Sobre Economia podemos enfatizar aqui alguns elementos gerais ou mesmo óbvios. A paralização da produção causou um vaga raramente conhecida de desemprego. No sub-continente indiano, os números possíveis cobrem um leque de incerteza, podendo ser entre 50 e 100 milhões os trabalhadores precários em atividades encerradas que regressam às regiões de origem. Nos Estados Unidos há muito se ultrapassaram as seis milhões de pessoas solicitando subsídio de desemprego. No Brasil entidades patronais prevêm três milhões de desempregados suplementares até final do ano, num país onde já eram mais de dez milhões.

Do outro lado da medalha, fica patente a existência de grandes grupos económicos e financeiros com capacidade de existência não subsidiada, inclusive possibilidade de distribuição de dividendos. Os próprios estados revelam disponibilidades suficientes para injetar capital nos mercados, protelar impostos e estimular empréstimos a prazo mais dilatado que até aqui. Por exemplo, nos Estados Unidos a Reserva Federal (banco central) pode criar estímulos até 2, 3 triliões de dólares, enquanto em economias menores, como Portugal e África do Sul, os apoios estatais situam-se até aqui em torno de 25 ou 26 mil milhões de dólares.

Na verdade, a noção de paralização das economias é muito relativa. Em nenhum país os bancos fecharam e, segundo o governador de São Paulo - estado que contribui com cerca de 30% para a oitava maior economia do mundo em volume – a economia paulista sempre funcionou a 74% apesar do confinamento. Em África a extração petrolífera nunca parou e só vai parar se a procura mundial o impuser, não o confinamento. A Boeing não esperou decisões nem estaduais nem federais para retomar as atividades na sua unidade central de Seattle, esta semana. A Renault anunciou reabertura das suas fábricas em França em 28 de abril, apesar do governo francês anunciar desconfinamento gradual apenas a partir de meados de maio. Aliás, esta mesma empresa já reiniciou, semana passada, as suas unidades em Portugal, Espanha e Rússia. A Alemanha pôs já em pratica a reabertura, começando pelos muito numerosos pequenos negócios.

Ou seja, se esta crise é mais grave que as de 2008 e 2010, a capacidade de resposta em termos económicos também é muito maior e há duas perceções que fazem uma grande diferença. Desde há algum tempo, o desemprego é visto como eixo central de pilotagem. A antiga presidente da Reserva Federal norte-americana, Janet Yellen, tornou-o evidente quando estava em funções, ao anunciar que só baixava a taxa de juros quando o seu país atingisse determinado patamar de novos empregos. Finalmente o grande capital reconhecia o valor decisivo do trabalho.

Quase ao mesmo tempo, mesmo nas áreas mais conservadoras, ficou patente a impossibilidade de saída de crise pela via da “austeridade”, expressão inadequada pois, de facto, significava compressão dos níveis de vida de grandes faixas da sociedade, até em pontos incompressíveis. O dogma das percentagens de endividamento, subjacente  àquela expressão, está suspenso. A dívida geradora de recursos, acompanhada de cálculo de amortização (capital, juros e prazos) está hoje na mesa de negociações em todos os continentes ou em relação a alguns deles, nos quais o tempo de moratória constitui diferencial entre a redução e a multiplicação da crise.

Nestes termos, a recente moratória de um ano concedida pelo G20 a África é de fraco alcance. Porém, a declaração argentina de necessitar moratória de três anos relança a negociação, com potencial para estabelecer novas normas mundiais sobre o assunto.

É pouco provável que na economia mundial “nada mais seja como dantes”. Mas é possível a fixação de novos pactos de harmonização e equilíbrio. Algo como o que se designa por solidariedade financeira na União Europeia e novas oportunidades de desenvolvimento na União Africana.

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