Filas para refeições solidárias no Porto triplicaram de tamanho desde Março

Nessas filas diárias, relata uma das associações, sente-se “um grande peso da comunidade brasileira”, mas também é visível “um número razoável de jovens que tinham empregos ligados ao turismo, sazonais, e que ficaram sem rendimento”.

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Paulo Pimenta

A opção pelo lay-off ou pela suspensão dos contratos laborais pelas empresas no contexto da covid-19 teve uma repercussão directa no aumento das filas para as refeições solidárias no Porto, que em alguns casos triplicou a procura.

Diariamente, ao final da manhã e ao início da noite, em alguns pontos da cidade, são comuns filas de sem-abrigo em busca de uma refeição solidária, um problema que adquiriu contornos maiores com a chegada do novo coronavírus, obrigando a redimensionar toda a estrutura.

A Lusa falou com três das obras solidárias do Porto que mantiveram o apoio diário aos sem-abrigo, mas também, desde o início de Março, a famílias carenciadas que perderam os seus rendimentos com o encerramento temporário da actividade em que laboravam.

Na Praça Marquês de Pombal há muito que há filas para comer, em direcção à Porta Solidária, obra criada no seio da igreja da paróquia. Um cenário que, assim que Março chegou, ganhou muito mais pessoas e extensão numa fila que começa agora na Rua Damião de Góis.

Na terça-feira “servimos refeições a 443 pessoas, sendo que a nossa média diária de 2019 até Março foi de 160 refeições”, relatou à Lusa o padre Rúben Marques, precisando que a “média diária actual se situa agora nas 400 refeições”.

Nessas filas diárias, relatou o clérigo, sente-se hoje em dia “um grande peso da comunidade brasileira”, mas também é visível “um número razoável de jovens que tinham empregos ligados ao turismo, sazonais, e que ficaram sem rendimento”.

E já não é só quem reside no Porto que procura matar a fome na Porta Solidária, com o padre Rúben Marques a identificar também “pedidos de Rio Tinto, no concelho de Gondomar, e da Póvoa de Varzim”.

Preparado para este acréscimo na procura, devido a “uma grande campanha de angariação de bens”, são, contudo, os apoios que “chegam também de particulares, empresas e de várias paróquias do Porto bem como da Associação Comercial do Porto”, que estão a assegurar, segundo o padre, o serviço das refeições.

O redimensionamento chegou também ao voluntariado, conjugando o facto de “terem de poupar as habituais voluntárias, por serem de idade, com a chegada de outros, cujas associações deixaram de dar apoio, para manter o projecto activo diariamente entre as 18h00 e as 20h00, em regime de “take-away"”.

“Preocupa-nos que muitos deles, e ainda bem, tenham de regressar ao trabalho, pois as filas não vão diminuir. Vamos ver, depois de 02 de Maio como vai ficar a rede de voluntários”, disse o padre.

Na zona oeste da cidade, a Casa Mãe Clara, projecto de responsabilidade social da Casa de Saúde da Boavista, viu também a procura por refeições disparar, bem como diversificar o tipo de carenciado.

A freira Regina Sousa, responsável pelo apoio solidário que diariamente serve “refeições completas entre as 12h00 e as 13h00”, relatou à Lusa que a procura “conheceu também um aumento substancial, passando de cerca de 60 diárias para 160”.

“Chega-nos gente de Gondomar, Vila do Conde, Póvoa de Varzim, tudo pessoas carenciadas e são mais homens que mulheres”, disse a religiosa.

Também aqui, a chave para que nada falte surge do trabalho em rede, ou como prefere chamar-lhe, da “partilha de bens” que “acontece com a Porta Solidária e que alarga a capacidade de resposta”.

Também neste caso, Regina Sousa olha com expectativa para o que vai acontecer em Maio: “espero que a situação estabilize a partir de Maio, quando uma parte das pessoas poderá voltar a trabalhar e a obter o seu sustento”.

Na zona da Constituição, Lasalete Piedade, fundadora e presidente do Coração da Cidade, disse à Lusa “não ter mãos a medir”, depois de ter “retomado na Páscoa o apoio aos sem-abrigo que já não se verificava desde 2015”.

“Temos 500 pessoas inscritas. Diariamente damos refeições “take-away” a mais de 400 pessoas, entre as 11:00 e as 18:00”, disse a responsável pela obra de voluntariado portuense que “fornece também roupa” e que “em tempos chegou a apoiar 1.200 sem-abrigo” da cidade.

Com o desemprego, acrescentou, o número de famílias que apoiam “passou das 400 para as 625”, agora com origem geográfica mais alargada, identificando “pessoas de Matosinhos e Gondomar, entre outros concelhos do distrito do Porto”.

O Coração da Cidade, foi fundado há 25 anos e, frisou Lasalete Piedade, “tem uma série de estruturas, como um restaurante solidário, que queria activar, mas que sem a autorização da câmara não o pode fazer”, estando “preparado para receber 160 pessoas sentadas”.

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