O dormitório S11: dentro do maior viveiro de coronavírus em Singapura

Nos dormitórios para imigrantes em Singapura a covid-19 alastra-se a grande velocidade - é lá que se concentram cerca de 80% dos casos da Cidade-Estado que, depois de ser considerada um caso de sucesso no combate à doença, decidiu confinar todos estes trabalhadores. Mas quarentenas em massa poderem aumentar os riscos de infecção nos blocos habitacionais.

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Para Habibur Rahman, o único vislumbre de vida fora das quatro paredes do apertado quarto de um dormitório de Singapura, que partilha com 11 outros trabalhadores imigrantes, são os seguranças insistindo com as pessoas para que se mantenham à distância e os funcionários da limpeza a esfregarem as casas-de-banho comuns.

O bangladeshi de 25 anos é um entre milhares de trabalhadores, originários sobretudo do Sul da Ásia, que foram para Singapura com o objectivo de garantir uma vida melhor para as suas famílias. No entanto, agora estão sujeitos às medidas de isolamento decretadas pelo Governo, tentando combater o tédio, a frustração e a ansiedade num enorme complexo de dormitórios conhecido como S11@Punggoll, no qual se encontram 1977 dos 8014 casos de covid-19 registados em Singapura.

“Se um de nós estiver infectado, facilmente a doença se espalha entre os outros”, diz Rahman. “Neste momento estamos confinados ao nosso quarto. Toda a gente está com medo. Limitamo-nos a rezar a Alá… rezamos cinco vezes por dia.”

O S11 é um dos muitos blocos de habitação utilitária nas franjas da moderna Cidade-Estado onde mais de 300 mil trabalhadores do Bangladesh, Índia e China vivem em quartos com beliches para entre 12 e 20 homens, fazendo trabalhos pelos quais recebem por vezes não mais de 20 dólares de Singapura por dia (cerca de 12 euros).

Estes dormitórios, em zonas raramente visitadas pelos turistas, albergam quase 80% do número total de casos de infecção, depois de na segunda-feira a Cidade-Estado ter registado a sua maior subida na quantidade de pessoas infectadas. Até agora, segundo o Governo, foram já colocados em quarentena 19 dormitórios, afectando dezenas de milhar de trabalhadores.

Com Koustav Samanta e Aradhana Aravidan (Reuters)

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Grupo de direitos humanos têm dito que os dormitórios representam o elo mais fraco nos esforços de contenção em Singapura, que, à parte disso, têm merecido aplausos do mundo. E os críticos alertam para o risco de estas quarentenas em massa poderem aumentar os riscos de infecção nos blocos habitacionais.

As autoridades de Singapura dizem ter tomado medidas preventivas nas habitações dos migrantes desde que o surto de covid-19 começou em Janeiro, mas quando o vírus começou a espalhar-se as medidas de quarentena tornaram-se necessárias.

S11, a empresa que gere os dormitórios, o Ministério de Recursos Humanos e o Ministério da Saúde não responderam aos pedidos para comentar a situação.

Na terça-feira, um alto responsável da Organização Mundial de Saúde disse que, apesar de enfrentar “desafios muito difíceis” ligados a um aumento de infecções, Singapura está bem posicionada para lidar com a situação.

A Reuters falou com 12 residentes do complexo S11, um conjunto de edifícios baixos, em aço, de diferentes cores e situados por trás de altas vedações de metal. Alguns dos trabalhadores pediram para não serem identificados por recearem preocupar as famílias ou pôr os empregos em risco.

Os trabalhadores disseram que saem dos quartos apenas para ir às casas-de-banho e que as refeições são-lhes entregues. Passam os dias a ver filmes nos telemóveis e a espreitar das varandas cheias de roupa a secar, ou a conversar com familiares preocupados nos países de origem.

Alguns queixam-se da higiene, da falta de medidas de precaução e da monotonia. Outros elogiam a resposta do Governo de Singapura. Mas todos têm medo de apanhar o vírus.

“Pagando o preço”

Para Nayem Ahmed, um trabalhador da construção com 26 anos vindo do Bangladesh, esse medo tornou-se realidade. Um dos seus companheiros de quarto está infectado, por isso quando no dia 8 de Abril acordou sentido febre, alertou imediatamente o pessoal médico do dormitório.

Fizeram-lhe o teste e enquanto esperava os resultados, contou, foi levado para uma zona de isolamento fora do dormitório. Dois dias depois disseram-lhe que estava infectado. “Não consigo explicar como me senti quando ouvi a notícia. Pensei que já não ia viver mais”, diz Ahmed.

Conta que lhe deram paracetamol e que lhe fizeram análises ao sangue e uma radiografia num hospital. Ao fim de alguns dias foi transferido para um centro de conferências adaptado, chamado Expo, que tem albergado doentes com sintomas mais leves. “Sinto que tenho uma nova vida”, diz.

Ahmed sente-se agradecido ao Governo de Singapura por lhe dar assistência médica e comida e por garantir que os trabalhadores sujeitos a quarentena continuam a receber os salários. Mas considera que podia ter sido feito mais para evitar os riscos de contágio nos dormitórios.

“Os dormitórios estão cheios e sujos. Não admira que se tornem um viveiro de infecções”, afirma. “Agora estamos a pagar o preço.”

Outros trabalhadores também denunciam as condições de higiene nos dormitórios depois de as medidas de quarentena terem sido anunciadas no dia 5 de Abril.

O Ministério dos Recursos Humanos diz ter, no início da quarentena, enfrentado “desafios” relacionados com a higiene e o abastecimento de comida nos dormitórios mas garante estar a trabalhar com as empresas responsáveis para melhorar as condições.

Ausência de precauções

A S11, que gere o complexo de Punggol e um outro próximo do aeroporto da cidade, anuncia os “dormitórios mais baratos de Singapura”. O dormitório de Punggoll pode receber até 14 mil trabalhadores em edifícios de quatro andares em cerca de 5,8 hectares, aproximadamente a mesma área que oito campos de futebol, de acordo com a imprensa local.

Existem 43 dormitórios projectados para esse fim em Singapura, abrigando 200 mil trabalhadores, enquanto 1200 fábricas convertidas abrigam 95 mil, para além de existirem também outras habitações temporárias mais pequenas, de acordo com o Ministério dos Recursos Humanos.

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Desde o início do surto que o Governo de Singapura disse ter avisado os operadores dos dormitórios para verificar se os trabalhadores têm febre, encorajarem a higiene pessoal e limitarem o convívio em áreas comuns para reduzir os riscos de infecção.

Mas Nizamul, 27 anos, e outros trabalhadores que pediram para não serem identificados dizem que a verificação da temperatura acontecia raramente no S11 e que um scanner de impressões digitais foi usado para entrar e sair do complexo dias antes do início da quarentena.

A covid-19 é uma doença respiratória. Os cientistas dizem que se espalha pelas gotículas expelidas pelo nariz e a boca quando alguém tosse ou espirra, ou pelo contacto com superfícies contaminadas por pessoas que depois tocam no nariz, na boca ou nos olhos.

Nizamul conta que antes da quarentena partilhou um quarto com um indiano que estava de baixa por ter uma constipação e febre e que veio a testar positivo para o coronavírus quando o seu estado de saúde piorou. Nizamul foi, por seu lado, transferido para um complexo habitacional público, onde ficou num quarto individual, e o seu teste não deu positivo.

Miah Palash, 27 anos, foi um dos poucos residentes do S11 com quem a Reuters falou que disse não saber de quaisquer casos no seu bloco. Autorizado a deixar o seu quarto apenas para usar a casa-de-banho comum, Palash disse que o maior desafio era encontrar formas de passar o tempo e tentar acalmar a família no seu país. “Eles esperam que tudo corra bem comigo. Sou filho único. Têm medo que… ligo-lhes todos os dias”, diz.

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