A exibição cinematográfica no contexto da pandemia

Os empréstimos à atividade, claramente úteis nalgumas situações, parecem-me neste particular não serem suficientes para resolver os problemas com que se defrontam os exibidores cinematográficos.

Segundo dados do ICA, IP a receita de bilheteira, nos últimos 5 anos, tem crescido a um ritmo sustentado de 2,1% nos últimos 5 anos, tendo atingido 78,6 milhões de euros em 2018 (último ano registado) e 83,1 milhões de euros em 2019, segundo as últimas estatísticas do setor.

Só no passado mês de março, segundo revelou o ICA a 8 de abril, os cinemas perderam mais de 75% dos seus espectadores quando comparados os números da bilheteira com o mês de março do ano passado.

As projeções para 2020 permitem estimar que as receitas de bilheteira ultrapassariam os 80 milhões de euros em condições de normalidade, ou seja, sem os efeitos devastadores do fecho compulsivo decretado pelo Governo por razões de saúde pública. O total anual são cerca de 15 milhões de espectadores, como se pode ver pelas estatísticas do ICA, IP sendo que os meses de março e abril são meses normalmente fortes, ao contrário de maio e junho em que a frequência diminui, o que quer dizer que haverá que contar com julho e agosto, admitindo que as medidas de contenção sejam levantadas e que os espectadores regressem em força ao cinema, o que não está a suceder, para já, nos países que já começaram a levantar as restrições à circulação.

Estima-se, portanto que o setor venha a registar, em 2020, uma perda correspondente a menos 7 milhões de bilhetes vendidos, a um preço médio de 5,5€ por bilhete, o que representa praticamente 50% da receita esperada, mesmo que a reabertura ainda ocorra antes do Verão.

Temos de ter em consideração que a economia vai estar muitíssimo enfraquecida, provavelmente, no limiar da resistência, as famílias depauperadas, o desemprego a taxas extraordinariamente elevadas, e o poder de compra reduzido, pelo que não faz sentido pensar que até ao final do ano se assistirá a uma retomada substancial num setor tão sensível como é o setor cultural, ao contrário, por exemplo, dos bens de primeira necessidade, que tenderão a pesar nas escolhas dos consumidores.

Vai ser preciso reconquistar a confiança dos espectadores de cinema, e muitas ações de campanha de sensibilização. O cinema em sala é uma experiência social, e é esse, justamente, um aspeto que terá de ser objeto de uma reaprendizagem, fruto de uma experiência traumática que nos obrigou a olhar para o outro como um potencial agente de perigo e a manter distância.

Vejamos então qual o apoio do Estado português para a exibição cinematográfica?

Como medida específica apenas vislumbro uma que resulta da decisão do ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual) de isentar os proprietários de salas de cinema das suas obrigações de investimento decorrentes da retenção dos 7,5% do preço de venda ao público dos bilhetes de cinema.

Esta medida, apesar da bondade da mesma, é o mesmo que nada, pois numa altura em que não há venda de bilhetes, reter 7,5% ou 100% o resultado será sempre zero. Isto é, esta medida não tem qualquer relevância prática.

Como medidas globais de apoio à economia, é viável aos exibidores de cinema o recurso ao regime do lay-off simplificado, ficando apenas a cargo do empregador 1/3 dos 70% do salário do trabalhador.

Pode ainda ter acesso a uma linha de crédito com garantia do Estado e sem necessidade de aval dos sócios, desde que reúnam todos os requisitos de solvabilidade exigidos pela banca e tenham a sua situação fiscal e parafiscal regularizadas. Esta linha de financiamento pode beneficiar de um período de carência de 18 meses e um prazo para pagamento do capital mutuado de 72 meses.

Têm ainda a possibilidade de deferir o pagamento de rendas das salas de cinema para mais tarde, sendo-lhes permitido o pagamento das mesmas nos 12 meses subsequentes ao término do período de emergência, juntamente com a renda do mês em causa.

Serão estes apoios suficientes?

Façamos então a radiografia deste setor com base nos dados da APEC – Associação Portuguesa de Exibidores de cinema:

  • os cinemas têm cerca de 2000 trabalhadores diretos e indiretamente muitos outros que trabalham em empresas que lhes prestam serviços, que vão desde a distribuição de filmes à manutenção e limpeza das salas e demais atividades relacionadas;
  • o peso das rendas imobiliárias com contratos com uma duração média de 15 a 20 anos, representam entre 40 a 50% dos custos fixos;
  • os custos com pessoal representam 30 a 40% dos mesmos custos fixos;
  • as salas encerradas têm um custo de manutenção de 20% do seu custo normal quando em funcionamento;
  • esta atividade, mesmo encerrada e com os trabalhadores em layoff, custa ao universo dos exibidores portugueses cerca de 3 milhões de euros mensais;
  • em contra partida, esta industria é responsável pela oferta de obras cinematográficas em todo o país e conta anualmente com 15 milhões de espetadores em sala, não sendo por isso exagero dizer que é o primeiro destino do entretenimento cultural.

Será possível este sector sobreviver com este quadro de apoios?

Sinceramente tenho muitas dúvidas, mas mesmo que isso venha a acontecer, estou seguro que o mercado tal como o conhecemos sofrerá várias alterações e passará, eventualmente, por insolvências que poderão provocar uma menor oferta aos portugueses e concomitantemente uma maior concentração nos grupos empresariais mais robustos, com todos os prejuízos que daí possam advir em termos concorrenciais, nomeadamente ao nível da colocação do produto disponibilizado pelos distribuidores de cinema.

Nestes termos, enfatizo que os custos fixos dos exibidores de cinema não são comportáveis, até porque os locais arrendados em centros comerciais, cujos proprietários são normalmente fundos financeiros, não demonstram qualquer flexibilidade negocial para baixar ou perdoar rendas.

Os empréstimos à atividade, claramente úteis nalgumas situações, parecem-me neste particular, face à frieza dos números e às perspetivas de recuperação económica deste setor, não serem suficientes para resolver os problemas com que se defrontam os exibidores cinematográficos, podendo por isso para alguns dos empresários desta indústria ser apenas um paliativo e não um remédio.

Para finalizar, queria deixar uma nota de alerta para a interconexão existente entre a distribuição e a exibição cinematográfica, que na verdade são duas peças da mesma engrenagem, cujo desempenho no momento atual deve ser visto numa perspetiva de complementaridade, quer ao nível dos apoios, quer na vertente da retoma.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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