Covid-19: pandemia “amplificou” censura e perseguição a jornalistas

Relatório da organização Repórteres Sem Fronteiras acusa vários países de estarem a aplicar leis que seria impossível aprovar “em tempos normais”.

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A RSF acusa o Governo chinês de tentar impor "uma nova ordem mundial nos media" ROMAN PILIPEY/EPA

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) denunciou, esta terça-feira, o aumento da repressão contra os jornalistas em vários países do mundo na sequência da pandemia do novo coronavírus, com a aprovação de leis que limitam o direito à liberdade de informação e que “seria impossível aprovar em tempos normais”. Em particular, a RSF acusa a China e o Irão de terem censurado de forma abrangente o desenvolvimento da pandemia e critica os líderes políticos nos Estados Unidos e no Brasil de incitarem as populações ao ódio contra os jornalistas.

Na apresentação do índice de 2020 para a liberdade de imprensa em todo o mundo, o director da organização, o francês Christophe Deloire, disse que a pandemia do novo coronavírus veio “amplificar as várias crises” que ameaçam o trabalho dos jornalistas um pouco por todo o mundo.

Segundo a RSF, os governos de vários países têm usado “o facto de o debate político estar suspenso, as populações estarem atordoadas e os protestos estarem fora de questão” para impor medidas radicais.

No Iraque, por exemplo, as autoridades locais retiraram a licença de trabalho à agência Reuters durante três meses, depois de uma notícia que punha em causa os números oficiais sobre a pandemia no país.

Mas é a China que recebe as críticas mais fortes da organização, que acusa o país de tentar estabelecer “uma nova ordem mundial para os media através do hipercontrolo da informação”. E esse controlo, que as autoridades chinesas exerceram sobre a informação no início do surto do novo coronavírus, em finais do ano passado, veio a reflectir-se na forma como o resto do mundo foi apanhado desprevenido, diz a RSF.

Na Europa, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, pôs em vigor uma lei que pune os jornalistas com uma pena de prisão “completamente desproporcionada e coerciva” de até cinco anos por “informação falsa” – uma designação vaga que pode incluir a publicação de notícias que põem em causa os números oficiais do Governo, por exemplo.

Uma medida semelhante foi aprovada também nas Filipinas, pelo Presidente Rodrigo Duterte, que já levou à acusação formal de dois jornalistas por “espalharem informação falsa” sobre o vírus, diz a RSF.

Outros países, como a Rússia e a Índia, são acusados de usarem as redes sociais para espalhar desinformação sobre a pandemia. Segundo a organização, existe uma “correlação clara” entre a posição de um país no índice da liberdade de imprensa e a forma como esse país tem controlado a informação durante a pandemia.

“A pandemia do novo coronavírus ilustra os factores negativos que ameaçam o direito a uma informação de confiança, sendo a própria pandemia um factor amplificador. Como é que a liberdade de informação, o pluralismo e a confiança vão ser vistos em 2030? A resposta a esta pergunta está a ser determinada hoje”, disse Christophe Deloire.

Num outro patamar, onde a limitação do trabalho dos jornalistas se joga mais nas palavras do que em políticas concretas, a RSF critica a forma como o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, têm gerido a relação com os media.

A organização salienta que Bolsonaro tem acusado os jornalistas de provocarem “histeria e pânico”, e que Trump é responsável por “um crescente sentimento de hostilidade contra os jornalistas, que desce para os governos estaduais, para as instituições e para o povo americano”.

O índice de 2020 sobre a liberdade de imprensa em todo o mundo é novamente liderado pela Noruega, seguida de três outros países nórdicos (Finlândia, Dinamarca e Suécia). Portugal subiu dois lugares em relação a 2019 e é agora o 10.º país do mundo, em 180, onde a liberdade de imprensa é mais respeitada, segundo a RSF.

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