Na discussão sobre a retoma, tragam a biodiversidade para a equação

Este apelo dirige-se a todos, não apenas aos decisores políticos e empresariais, mas a todos os que com o seu conhecimento podem ajudar a integrar o valor dos recursos naturais e dos ecossistemas na economia.

Não sou médica nem sou economista. Sou bióloga e confesso-vos que esta discussão sobre a retoma pós-pandemia me arrepia, por não ver ninguém que traga a biodiversidade para a equação. A biodiversidade é a base da saúde humana e é também a base da economia e das nossas sociedades, e por isso deve ser respeitada, valorizada e integrada num novo modelo de desenvolvimento.

Há já muitos anos que uma frase martela dentro da minha cabeça: mudar é preciso, mudar é preciso, mudar é preciso! Por vezes não lhe presto atenção, outras vezes encontro sinais de esperança, mas a maior parte do tempo é de angústia por ver apenas pequenas mudanças muito lentas. Ao longo das décadas, tenho acompanhado os alertas e mensagens da comunidade científica internacional mais ligada às ciências naturais sobre a necessidade de encontrar outro modelo de desenvolvimento. Fui seguindo à distância as grandes conferências internacionais sobre desenvolvimento sustentável, e analisei cada declaração final com cuidado e com esperança, principalmente muita esperança. São textos lindos e merecem ser lidos por todos, mas constatar que com o passar dos anos são quase apenas isso, é muito triste para quem como eu acredita tão fortemente na necessidade de mudança.

Desde que começou o confinamento comecei a ouvir comentadores e a ler notícias e artigos de opinião mais atentamente (como todos nós). Inicialmente, a minha preocupação foi saber mais sobre este vírus e perceber que medidas de proteção recomendam os especialistas. Rapidamente, este diálogo e apoio da ciência à sociedade começou a dar muitos frutos, dos quais o mais paradigmático exemplo é porventura o teste desenvolvido pelo Instituto de Medicina Molecular com reagentes produzidos à escala nacional. Tem sido extraordinariamente inspirador ver como a comunidade científica se uniu para encontrar respostas e soluções para apoiar profissionais de saúde e decisores (desde os decisores domésticos que somos todos nós até aos decisores políticos que nos governam). Muitos parabéns a todos pelo sentido de civismo, por serem um exemplo, um farol que guia na tormenta.

Mas com o passar dos dias, o discurso começou a ficar cada vez mais centrado na retoma económica e comecei a ficar inquieta, arrepiada mesmo… porque, por um lado, parece que os economistas percebem muito claramente que sem saúde não há economia, mas por outro não só não mostram sinais de estarem à procura de modelos diferentes, como na verdade continuam a guiar-se pelos mesmos indicadores e racionais de sempre. Por isso, sinto esta necessidade de lhes sussurrar ao ouvido: é tempo de mudar! A equação não está completa se não considerar a saúde dos ecossistemas!

Aqui assumo apenas o papel de mensageira. São todos os grandes investigadores de ciências naturais que há já muitas décadas nos explicam com lapidar simplicidade que os sistemas estão todos interligados, que as pessoas dependem da natureza e a natureza depende das pessoas. Desde a revolução industrial temos beneficiado imensíssimo da exploração de recursos naturais, mas a nossa ambição desmedida focou-se num crescimento sem limites. Aí está o equívoco dos economistas: não se pode esperar que o mercado regule a exploração de recursos finitos.

Por isso, mais do que observar as mudanças na natureza provocadas pela paragem forçada pela pandemia, o que interessa agora é refletir sobre esta relação de interdependência entre os sistemas naturais, a economia e a sociedade. Juntar o ambiente à equação dos novos modelos de desenvolvimento sustentável e procurar mudar!

Este apelo dirige-se a todos, não apenas aos decisores políticos e empresariais, mas a todos os que com o seu conhecimento e experiência podem ajudar a encontrar as melhores soluções para corporizar uma mudança no modelo económico, isto é, a integração do valor dos recursos naturais e dos ecossistemas na economia.

O tempo de mudança é agora! Como ouvi dizer num destes dias: uma crise é algo demasiado importante para ser desperdiçado. Por isso, uma crise é tão assustadora quanto excitante. Fico esperançada principalmente nestas novas gerações. Espero que os mais experientes os vão buscar rapidamente e os juntem para desenvolver novas soluções. Ninguém sabe o que resultará, mas como todos sabemos, a nossa casa comum está a arder e não há tempo a perder.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção