Educação digital onlife

A continuação das atividades de ensino, associadas à produção de conhecimento, a partir de casa revela-se como uma metáfora de superação da própria crise.

Durante séculos habituámo-nos a ver a aprendizagem, fosse ela tutorial ou em sala de aula, como um facto essencialmente presencial. Ora, a pandemia suscitou a necessidade de garantir educação com os espaços típicos de ensino presencial fechados, ou seja, a partir de casa.

Esta realidade é nova: percebemos não só que a educação não pode parar como que tem de continuar a cumprir a sua função essencial de compreender o mundo e, se possível, torná-lo melhor. A continuação das atividades de ensino, associadas à produção de conhecimento, a partir de casa revela-se como uma metáfora de superação da própria crise.

Com efeito, a crise vem demonstrar a necessidade de sermos capazes como comunidade política de desenvolver sem reservas e em conjunto um processo de mudança na educação através da colaboração e da partilha das melhores práticas apoiados em pedagogias online.

Trata-se de um passo adiante nos processos típicos de ensino e aprendizagem em todos os níveis que já tinha levado à criação do conceito de aprendizagem ao longo da vida, ou seja, à ideia de que a aprendizagem é necessária para todos em permanência e que não é definitiva.

Vale isto para o ensino, mas também para a investigação científica e para a disseminação do conhecimento na sociedade, que aparecem como deveres indeclináveis de académicos e não só.

Diz-se agora que estamos em tempo de mudança. Mas só há mudança se nós próprios mudarmos, sabendo como e para quê. Vivemos hoje numa sociedade digital e em rede marcada por mudanças acentuadas na economia e nos mercados de trabalho, que impulsionam a emergência de novos paradigmas, modelos de trabalho, processos de comunicação educacional e cenários de ensino e aprendizagem.

Manuela Grazina, uma prestigiada bioquímica e geneticista, tornou claro há dias numa entrevista a Teresa Dias Mendes na TSF como investiga a partir de casa, com o cuidado em si própria e nos outros. A sua mensagem de marca “sejam felizes com o que tiverem à mão” substitui a ideia de um mundo rígido pela ideia de um mundo de pessoas responsáveis e abertas aos outros.

A educação digital, ou seja, a educação mediada, ampliada e enriquecida pelo digital, é uma oportunidade de inovação social que se apoia numa mudança de pensamento e práticas visando a formação de pessoas responsáveis e atuantes no mundo. Para tal, promove a flexibilização, abertura e personalização dos percursos de aprendizagem, de modo a garantir o aproveitamento dos talentos de todos com elevados níveis de reflexão e comprometimento social.

A educação digital não se resume ao uso de novos hardwares, softwares e redes de comunicação, nem tão pouco se restringe ao desenvolvimento do pensamento computacional. A educação digital é um movimento consciente de pessoas que estão em comunicação direta e ligadas entre si e com máquinas. É uma perspetiva humanista em que as pessoas aprendem e adquirem competências específicas em contexto de transformação digital.

Já se percebeu que a transposição das metodologias e práticas pedagógicas presenciais para os ambientes digitais online não funciona. Não faz sentido, por exemplo, dar uma aula magistral online e menos ainda gravá-la, qualquer que seja o meio utilizado. Percebe-se também que é necessário que os professores de todos os níveis de ensino tenham formação adequada para a docência digital e em rede.

A educação digital deve ser vista como um processo contínuo de aprendizagem enriquecido pela utilização variável de tecnologias digitais e das redes de comunicação, podendo chegar a ser totalmente online.

É neste contexto que emerge o conceito de aprendizagem onlife, cunhado pela Iniciativa Onlife, da Comissão Europeia, que procurou compreender o que significa ser humano na realidade contemporânea híper-conectada. Do projeto resultou o Onlife Manifesto, onde se defende o fim da distinção entre offline e online, assim como da ideia de que as tecnologias são simples ferramentas ou recursos de apoio à aprendizagem.

Segundo esta perspetiva, as tecnologias e as redes digitais devem ser vistas como forças ambientais que ajudam a perceber quem somos e como socializamos, com consequências no modo como ensinamos e aprendemos. Numa sociedade onde a informação é e se pretende que seja abundante, os processos, redes e ligações entre pessoas devem ser favorecidos, porque comportam informação.

O uso das tecnologias digitais tem hoje uma forte relevância ética, legal e política – por exemplo, no domínio da proteção de dados – porque o virtual é muitas vezes intensamente real. É um facto que o virtual amplia significativamente a nossa condição habitativa, que não está mais vinculada apenas a uma geografia, mas a espaços digitais em rede em que diversas inteligências e interesses se ligam. Os novos territórios informacionais e comunicacionais alteram a nossa perceção do tempo, espaço, presença, entre outros, sendo a transformação digital um deslocamento intencional específico decorrente de novos ecossistemas de inovação.

A educação digital e em rede que agora emerge de forma global assenta numa visão disruptiva. As mudanças organizacionais neste campo são difíceis, mas fazem parte de desafios institucionais, pessoais e societais de adaptação, mudança, flexibilização e inovação que urge assumir.

A Universidade Aberta, como universidade pública portuguesa de educação a distância e em rede, concorre para aquele que é certamente o mais determinante desafio que se coloca à educação em Portugal neste tempo de grandes dificuldades e incertezas: a necessidade imediata de se criarem alternativas e complementaridades ao paradigma educativo presencial, para todos os níveis de ensino. Neste sentido, a Universidade Aberta, ciente das suas responsabilidades, em colaboração com o Ministério da Educação, está a contribuir para a formação de professores, de modo a que desenvolvam competências profissionais na área.

É de justiça realçar que, no que nos diz respeito, não fomos apanhados de surpresa. Já vão longe os dias em que alertávamos para a necessidade de mudanças, como se comprova pelos artigos disponíveis aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui. [1]

[1] Os autores agradecem os contributos do Prof. José António Moreira (Universidade Aberta) e da Prof. Eliane Schlemmer (UNISINOS/CNPq – Brasil)

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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