The Last Dance: Deus disfarçado, o melhor segundo, o homem que andava ao contrário e o mestre Zen

Chega ao Netflix nesta segunda-feira o documentário que relata a época do último título de Michael Jordan e dos Chicago Bulls na NBA.

,Basquetebol
Fotogaleria
Pippen era o Robin para o Batman de Jordan Andy Hayt/Netflix
,ESPN
Fotogaleria
Andrew D. Bernstein/Netflix
,Basquetebol
Fotogaleria
Dick Raphael/Netflix
,búfalos de Chicago
Fotogaleria
Andrew D. Bernstein/Netflix
,Finais da NBA de 1993
Fotogaleria
Andrew D. BernsteinINetflix
Fotogaleria
Jeff Reinking/Netflix

Em 2020, Michael Jordan tem 57 anos. Já se nota. Está mais redondo na zona abdominal, o queixo está menos definido, as rugas ganharam outra proeminência. Mas o homem que o mundo conhece como “Air” Jordan também ganhou distanciamento suficiente para poder falar com menos reservas do passado que o cristalizou como o melhor basquetebolista de sempre. E são estes momentos de candura que se destacam em The Last Dance, o documentário em dez partes sobre a última campanha vitoriosa de Jordan com o Chicago Bulls na Liga Norte-Americana de Basquetebol profissional (NBA), produzido pela ESPN e disponível em Portugal a partir desta segunda-feira no serviço de streaming Netflix. Jordan é um homem reservado que sempre cultivou uma imagem de deus distante, mas aparece-nos à frente de t-shirt e calções a criticar, elogiar e a dizer palavrões.

The Last Dance não é só Jordan, mas é sobretudo Jordan. Nos quatro primeiros episódios (aqueles a que o PÚBLICO teve acesso), a vida de Jordan serve como condutor do documentário que vai saltando entre várias eras, o presente de Jordan em calções sentando num sofá, e vários passados, não só o dele, mas de outros protagonistas principais de uma das mais dominantes dinastias da história da NBA: Scottie Pippen, o melhor segundo de sempre que nunca foi pago como merecia; Dennis Rodman, o homem dos ressaltos que andava ao contrário; e Phil Jackson, o treinador que usava técnicas budistas e ameríndias no seu método. Também há secundários que são apresentados como vilões, Jerry Krause, o “general manager” dos Bulls”, ou Isiah Thomas, base dos Detroit Pistons, durante muito tempo os maiores inimigos dos Bulls.

Todos servem, no entanto, para ajudar a definir algo que, na verdade, já sabíamos. Jordan não pedia desculpas por aquilo que era e pela única coisa que queria, ganhar. Para servir essa vontade, Jordan podia ser um tirano com uma personalidade intensa, mas a verdade é que o destino da equipa estava totalmente dependente dele. O sucesso dos Bulls esteve sempre indexado a Jordan, que nunca foi nada menos que uma máquina competitiva implacável, hiperfocado e sem espaço para distracções - a não ser charutos (muito se fumava na NBA nos anos 1990), golfe e jogo. Mas ser o melhor de sempre não será um fim em sim mesmo, se não tiver títulos a acompanhar. E neste sentido, Jordan não era egoísta. Isso ficará bem presente ao longo do documentário.

A “última dança” remete para a época 1997-98, aquela que seria a última em que Jordan e os Bulls foram campeões da NBA, o sexto título em oito temporadas para uma das melhores equipas da história do basquetebol mundial. Foi Phil Jackson, o treinador, que lhe deu este nome, porque já sabia que não iria ficar para lá desta época. E se Jackson não ficasse, Jordan também não ficava.

Foto
NETFLIX

Sem Jordan, mais valia começar tudo de novo. Mas como o próprio Jordan dizia em 1997: “Nós temos o direito de defender o que temos até o perdermos”. E é por aqui que The Last Dance vai, de como uma equipa irá navegar no meio do caos até mais uma final ganha e depois implodir - após o sexto título, saíram todos (Jordan, Jackson, Pippen e Rodman) e os Bulls foram de tricampeões a terceira pior equipa da NBA na época seguinte, e nunca voltaram a ser campeões desde então.

A história, já a conhecemos bem. O que é novidade neste The Last Dance, para além das entrevistas a Jordan (que quase se transformou num eremita mediático desde que deixou de jogar, quebrando essa condição numa emocionada eulogia a Kobe Bryant), é a divulgação de imagens inéditas dessa campanha - uma equipa de filmagens teve acesso aos bastidores dos Bulls nessa época e captou momentos em que Jordan e os outros estão com a guarda em baixo. Vê-se, por exemplo, como reagiram ao pedido inusitado de Dennis Rodman em ir de férias para Las Vegas com a época em andamento - deram-lhe 48 horas, Rodman não respeitou o prazo e Jordan foi de avião para o resgatar. “Não vou dizer o que se passava naquele quarto, nem quem lá estava”, dirá Jordan.

Há muitos convidados especiais neste documentário. Antigos jogadores dos Bulls (todos os já citados, mais Ron Harper, Horace Grant, Bill Wennington e Steve Kerr, actual treinador multicampeão com os Warriors) e antigos adversários dos Bulls (“Magic” Johnson, Larry Bird, Gary Payton, Charles Barkley, Pat Ewing, Kobe Bryant e outros), jornalistas. A mãe de Jordan também aparece, a ler uma carta do filho a pedir para lhe mandar selos - e Jordan tem uma reacção de ternura e riso quando ouve a mãe a ler as suas palavras de adolescente.

Foto
Andrew D. Bernstein/Netflix

Mas este também deve ser o único documentário do mundo que tem depoimentos de Carmen Electra e de dois antigos presidentes dos EUA, Bill Clinton e Barack Obama. Nenhum deles é, no entanto, identificado como Presidente. Clinton testemunha como governador do Arkansas (terra de Pippen), Obama, um fanático de basquetebol, está identificado como “residente de Chicago” quando Michael Jordan chegou à cidade em 1984 - Obama diz que, na altura, era um “teso” que não tinha dinheiro para ver jogos dos Bulls.

Originalmente, The Last Dance só iria aparecer nas nossas vidas em Junho, mas a sua estreia foi antecipada porque a NBA, tal como todo o desporto mundial, entrou em lockdown por causa do novo coronavírus. Serão dois episódios por semana, ao longo de cinco semanas, carregados de entrevistas, imagens inéditas e os melhores momentos e as melhores figuras da NBA dos anos 1980 e 1990. Muitas vezes veremos Jordan a voar com a língua de fora para o cesto e outras coisas impossíveis. Sem coisas novas, venha a nostalgia do passado. E, se estamos a falar do melhor de sempre, isso não é uma coisa má. Antes pelo contrário.

Sugerir correcção
Comentar