Agora ou nunca: um 25 de Abril na Europa

Se existe momento em que é preciso reafirmar a democracia é este. Em Portugal. Na Europa. E no mundo. Celebre-se o 25 de Abril.

Nestes dias ouve-se muita gente dizer que, no contexto actual de isolamento social, era preferível nem celebrar o 25 de Abril. Nada mais errado. Noutras alturas entendiam-se algumas críticas que apontavam para uma necessidade de reinventar as comemorações. Havia um contexto que parecia esvaziar os rituais habituais.

Agora não. O momento é excepcional. Os valores da democracia e da liberdade, seja para gerir a actual crise sanitária, ou a socioeconómica que está à porta, têm de ser reafirmados. Não é apenas por Portugal. É pelo mundo. Cada vez mais, de forma nítida em alguns casos, ou velada noutros, aquilo a que se assiste é ao seu atropelo. Existiu uma altura em que se imaginou que existia uma correlação entre dinamismo económico e democracia.

Agora aí está a China a mostrar que não precisa dela para nada, enquanto as lideranças e as elites políticas e económicas, dos EUA à Rússia, passando pelo Brasil e outras latitudes, a olham como um empecilho na expansão dos seus privilégios. A ironia do nosso tempo é essa. Assistimos à instauração de uma nova ordem que vai alastrando pelo globo feita dessa mescla de modo de produção hiper-capitalista, Estado autoritário e nacionalismo. A médio prazo, o que poderá acontecer é o desaparecimento gradual da democracia. Se não queremos ir por aí, esta é a altura da União Europeia, e de Portugal, o demonstrar.

É em momentos de fragilidade que se pode regressar lá atrás e pensar, de forma simples, nos fundamentos dos problemas, como olhávamos para eles no início e o que nos movia para os resolver, não para reiterar o passado, mas para idealizar outra linguagem e novas políticas. Tenho uma inveja saudável de quem viveu o 25 de Abril, de quem projectou desígnios e que os confirmou ou, porque não, teve oportunidade de se desiludir também. Deve ter sido inolvidável essa vontade transformadora. Noutro cenário, para mim, e outros que ainda eram miúdos em 1974, o seu 25 de Abril, é a União Europeia.

Ninguém disse que as utopias eram fáceis. A da UE não o é. Este é um momento fulcral. Ou a UE se reduz a um papel insignificante, para regozijo de Trump ou Putin, ou se afirma como verdadeiro laboratório político, capaz de reafirmar valores perenes, como reflexo de sociedades solidárias, justas e livres, e projectar-se como farol alternativo para o mundo. E para isso acontecer, como Macron vincou de forma surpreendentemente clara na última sexta-feira, em entrevista ao Financial Times, é imperativo ter consciência que um modelo de globalização e de capitalismo — gerador de desigualdades e do minar da democracia — chegaram ao fim de um ciclo, sendo preciso erguer uma nova realidade, onde a UE seja acima de tudo projecto político e não apenas mercado económico.

Que seja alguém como Macron a dizê-lo pode gerar reservas, mas as suas palavras vão na direcção certa. Resta ver a acção. Ninguém está à espera de uma revolução milagrosa. Mas muito mais terá de ser feito, para além das palmas, e dos planos de circunstância avançados, na última reunião do Eurogrupo. De contrário, o resultado desta epidemia, poderá muito bem ser a prevalência de um novo tipo de totalitarismo, que sacrifica os mais frágeis, impõe assimetrias gritantes, cerceia as liberdades e prescinde da democracia.

Por tudo isso, celebre-se o 25 de Abril. Faça-se uma sessão solene restringida, mas não nos fiquemos por aí. Há muitas formas de assinalar a data. Use-se a imaginação, essa ferramenta da emancipação. Não se pode descer a Avenida da Liberdade, mas quem sabe se uma única pessoa fazê-lo, não terá mais ressonância simbólica, como o Papa Francisco ainda há pouco tempo demonstrou na Praça de São Pedro? Enfim, invente-se. Não podemos ir em grupo para a rua, mas utilize-se as janelas e varandas e o estarmos com jovens e crianças, e façamos-lhes ver que estamos a viver uma ocasião decisiva do nosso presente colectivo que já é futuro.

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