“Estamos no meio de uma pandemia e não sei nada do meu filho”

No seio de várias situações que o Governo regulou nesta crise, teve o cuidado de decidir que os regimes de responsabilidades parentais são para manter.

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No período difícil que atravessamos, todos experimentamos a dificuldade do afastamento da nossa família e amigos. Estar com família é um bom apaziguador desta dificuldade – mas nem todos temos essa oportunidade. Há pais e mães que estão impossibilitados, pelo outro pai ou mãe, de acompanhar o dia a dia dos seus filhos. Hoje damos voz a estes cidadãos e comentamos a frustrante situação que nos testemunham.

Como se sente uma mãe/pai que não sabe que medida de prevenção está o outro a tomar? São várias as reações que nos reportam. Podem presumir, sem certezas: “Presumo que eles estejam em casa, mas não tenho informação sobre medidas que estejam a tomar” (Miguel). Podem, para além do afastamento físico, serem culpabilizados por quererem manter a residência alternada, como está regulado através do acordo das responsabilidades parentais: “Não fui informado de quaisquer precauções, tirando o isolamento social... Quanto às precauções, a mãe considera que impedi-lo de vir faz parte do isolamento social e disse-me que era irresponsável eu ter sugerido que se mantivesse o regime passando a alternância para 15 dias” (João).

Quanto tempo pode, uma mãe/pai, nestas situações não ver os filhos? No caso do João, esse tempo está próximo de um mês, quando a sua expectativa e dos filhos era de 15 dias: “Não o vejo desde o último dia de aulas, foi dia 13, sexta-feira, não o vejo há 24 dias” (João).

O que pode significar para uma mãe/pai não ver os filhos e não poder comunicar ou comunicar parcamente com eles? Para a Sara “tem sido parca a comunicação e magoa (...)”. O que se acentua com a incerteza de quando poderá voltar a estar com a filha: “(...) Não sei quando consigo vê-la.” Não obstante a angústia criada, ainda há iniciativa para alterar a situação, mas as tentativas são frequentemente frustradas: “Desde que ele saiu, temos tentado manter o contacto diário, mas os únicos contactos que conseguimos foram mensagens de texto, que são, em geral, mensagens de texto curtas e sem informação sobre como ele está” (João).

O que faz (e não deve) um pai/mãe decidindo sozinho, unilateral e prepotentemente, sobre a vida dos filhos? Pode, por exemplo, falsamente usar o pretexto da situação de crise para retirar aos filhos a felicidade da companhia do outro pai/mãe.  “Ora, no meu caso, em que as responsabilidades correntes estão entregues à mãe, e as importantes a ambos, tendo eu direitos de visita todas as quartas-feiras e de sexta-feira a segunda-feira de 15 em 15 dias, disponibilizei-me a dividir o tempo com o nosso filho na sequência do fecho da escola, sendo que a mãe respondeu com a suspensão unilateral das visitas, com base na ativação do estado de emergência” (Miguel). Pode também desafiar a decisão do tribunal, sem consequências imediatas, quando tiranamente altera o respetivo acórdão: “O que tínhamos acordado a mãe mudou sem o meu acordo” (João), sequestrando literalmente os filhos. “O meu filho está retido em casa da mãe com aviso dela de que não sai, enquanto isto não acabar” (João).

O que sentem um pai/mãe em que o outro utiliza esta pandemia como pretexto para voltar a guerras antigas que estavam resolvidas pelo tribunal para voltar a atacá-lo? Sentem que tudo parece retornar ao início e que fica em causa uma solução justa e equilibrada conquistada ao fim de muito tempo: “Neste momento a nossa filha está retida em casa do pai. Submeteu um requerimento ao tribunal que assim deve permanecer com ele em quarentena profilática porque estava doente (confirmei via telefone que não tinha nada)! Afirma que a mãe não tem competências. Repetiu todos os argumentos (já provados e discutidos) de um processo que dura há mais de um ano em que tínhamos atingido a ‘guarda partilhada’” (Sara).

Além dos pais/mães a quem é subtraída a convivência com os filhos, as principais vítimas desta chocante situação são os filhos, usados como arma de arremesso. Sendo recomendável que, na circunstância desta pandemia, se procure uma redução das transições dos filhos da casa da mãe para casa do pai ou vice-versa, como forma de diminuir a probabilidade de transmissão do vírus, não deve nunca, em caso algum, um pai/mãe utilizar esta crise assustadora para autoritariamente se apoderar dos filhos. Este abuso acentua o desespero e o sentimento de incapacidade de acompanhamento das medidas de saúde dos filhos.

É importante que os pais decidam em sintonia e que os acordos extraordinários sobre circunstanciais alterações à regulação do exercício das responsabilidades parentais sejam assumidos e progressivamente avaliados, em função da alteração das circunstâncias.

No seio de várias situações que o Governo regulou nesta crise, teve o cuidado de decidir que os regimes de responsabilidades parentais são para manter, apelando assim à responsabilização e parceria entre os pais separados ou divorciados.

Mas infelizmente, tal como alguns mães/pais não ficam em casa para garantir uma redução do contágio por covid-19 e melhorar as condições de saúde física dos seus concidadãos, alguns pais/mães aproveitam a crise para voltar ou ter comportamentos incorretos, alienadores, colocando em risco a saúde psicológica dos seus filhos, sobrepondo o seu autoritarismo arbitrário à autoridade refletida do Governo, da Direcção-Geral de Saúde, da Organização Mundial de Saúde, e à soberania dos tribunais. A saúde dos filhos é uma responsabilidade de todos os pais/mães, que devem unir-se para os ajudar a serem mais felizes, porque, livres do contágio vírus, podem conviver ativa e presencialmente com ambos.

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