Os monumentos têm demasiados visitantes?

Como é evidente, a diminuição dos visitantes e o encerramento dos espaços também colocam desafios na preservação de monumentos de todo o mundo. A palavra monumento está associada à ideia de memoriae — uma memória que, com mais ou menos visitantes, só existe enquanto estiver viva.

Foto
Tomás Reis

Este sábado, 18 de Abril, comemora-se o Dia Internacional dos Monumentos e Sítios. Ao longo dos últimos anos foram desenvolvidas muitas actividades inéditas — dos espectáculos de dança ao video mapping. Se os sítios são os mesmos, só a imaginação é o limite. 

Também neste ano, o dia promete ser inédito: nem o confinamento em casa trava as novas viagens. Há visitas guiadas a túmulos no Egipto e muitos outros monumentos virtualmente acessíveis para quem quiser continuar à descoberta. 

Mas este dia Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, num momento em que os visitantes saíram das filas para as bilheteiras, é também um dia de reflexão. 

Pensemos nos problemas da pressão turística nos monumentos. As restrições ao número de visitantes comprometem a experiência de visita e, por vezes, perdem eficácia, quando começam os casos de fraude e revenda dos bilhetes online. Entretanto, o avanço da pressão turística tornou-se num problema global, de Dubrovnik até Machu Picchu, levantando cada vez mais questões sobre a identidade destes lugares. Não são só pavimentos originais que se desgastam sob a passagem das visitas de grupo; são também modos de vida que mudam, em regiões que parecem transformar-se para sempre.

Por momentos, parece que a pressão turística silenciou. É mais do que um abrandamento: são espaços que fecharam as portas aos visitantes. Também por isso, o futuro dos monumentos é incerto: será o regresso — e o agravamento — da pressão turística que está em causa? Ou, pelo contrário, haverá uma redescoberta de valores patrimoniais, até agora ocultos nas marés do turismo?

O património cultural jamais pode ser visto apenas como produto turístico. Seria o mesmo que reduzir monumentos a cenários de visitas guiadas ou selfies. A questão da identidade é fundamental na partilha de uma história comum, que é local, nacional e global. Uma história que é, cada vez mais, revista e debatida, porque a visão do passado também evolui. 

Assim se explicam as recentes inscrições na lista do Património da Humanidade, como o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, onde desembarcaram tantos escravos de origem africana. Esta classificação foi possível porque há um debate em curso sobre a herança do colonialismo e da escravatura, numa história que também ali está presente de forma tão singular. 

Como é evidente, a diminuição dos visitantes e o encerramento dos espaços também colocam desafios na preservação de monumentos de todo o mundo. A palavra monumento está associada à ideia de memoriae — uma memória que, com mais ou menos visitantes, só existe enquanto estiver viva.

Essa vida também está na relação que temos com os monumentos. Esquecê-los seria voltá-los ao abandono ou entregá-los à destruição. Mas a diversidade de monumentos é tal que é possível encontrar neles um espaço que, além de colectivo, é também pessoal. É nesse sentido que é fácil identificarmo-nos com, pelo menos, um monumento, em Portugal ou lá fora. Seja o Pilar 7 da Ponte 25 de Abril, a obra de engenharia que revolucionou toda a Grande Lisboa; o Padrão dos Descobrimentos, onde se mantém o debate sobre a herança do colonialismo; ou o Arco da Rua Augusta, que celebra uma cidade que se reinventou com o terramoto de 1755, há muito para escolher. E se as Sete Maravilhas do resto do mundo ficarem mais longe, muito há para descobrir aqui dentro.

Nem só de visitantes são feitos os monumentos. Há todo um trabalho de estudo e de preservação, apoio às visitas, programação cultural ou gestão de eventos. E porque não sugerir novos projectos em cada monumento, com ou sem transmissão vídeo em streaming para ver em casa? 

É possível que, mesmo depois desta pandemia, fazer grandes viagens seja mais difícil, o que trará menos visitantes. Mas ficar perto de casa não significa um desinteresse na nossa herança comum. Saibamos reclamar o nosso espaço, para que nos lembremos de quem somos.

Sugerir correcção
Comentar