O papel do Estado e os dividendos da EDP

Se a EDP insistir na distribuição de dividendos, não poderá ser o Estado a julgar a sua decisão. Os cidadãos, sejam ou não seus clientes, cá estarão para o fazer

Quando António Costa disse no Parlamento, esta quinta-feira, que tinha chegado a hora de “reanimar a economia, sem deixar descontrolar a pandemia”, não estava seguramente a pensar no que pode o Governo fazer em relação aos bons resultados da EDP – ou de outras grandes empresas com sede em Portugal. É que há cada vez mais gente a defender o recurso à mão visível do Estado para proibir a distribuição de dividendos que, recorde-se para o caso da EDP, foram conquistados em operações no estrangeiro e funcionam como um testemunho da excelência da companhia portuguesa. A EDP não é, felizmente, problema que deva preocupar o Governo. Até porque António Costa faz parte daquela classe de sociais-democratas que percebem que, sem a riqueza gerada pelos privados, é mais difícil desenhar políticas públicas.

Seria por isso estranho, no mínimo, que o Governo caísse na armadilha dos que lhe pedem uma ingerência na EDP com base na liturgia que tanto invoca uma moral pública como o horror aos lucros da iniciativa privada. Se a administração e os accionistas da EDP quiserem distribuir 695 milhões de euros, o problema é deles. Mas, problema? Sim, problema, porque como Susana Peralta lembrava, com razão, na sua coluna do PÚBLICO desta sexta-feira, citando um perigosíssimo farol da esquerda radical, o Financial Times, distribuir tanto dinheiro numa fase em que milhares (milhões?) de portugueses vivem perante o pavor do desemprego terá custos políticos enormes e danos de imagem incomensuráveis. É bom que os gestores e donos de empresas tenham a liberdade garantida pela lei para fazerem o que decidirem; mas é melhor que saibam que essa escolha não acontece no éter e, no contexto actual, terá uma enorme e natural repercussão na consciência dos portugueses.

Em cenários de crise, como este ou como o que vivemos na era da troika, as sociedades decentes tendem a promover o valor da solidariedade e o sentimento de partilha com as suas principais vítimas. A EDP e todas as grandes empresas têm de perceber essa dinâmica ética e social e considerá-la nas suas opções. Os bancos perceberam-no. Muitas outras empresas seguiram ou vão seguir esse caminho como forma de prevenção para tempos que se adivinham de penúria. Uns e outros, porém, fizeram-no à custa da sua racionalidade ou dos seus valores. Não precisaram do Estado a tratá-los como criancinhas. Se a EDP seguir outro caminho, não poderá ser o Estado a julgar a sua decisão. Os cidadãos, sejam ou não seus clientes, cá estarão para o fazer.

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