Com dúvidas sobre o crime de desobediência, Governo aconselha pedagogia em vez de punição

A análise do executivo, num relatório entregue à Assembleia da República, traz, noutro âmbito, dados sobre a mudança nos hábitos de consumo - no estado de emergência, tem ido menos vinho para as mesas portuguesas.

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Governo, através do MAI, analisou o primeiro estado de emergência miguel manso

“O Governo considera preferível, se se mantiver eficaz, o aconselhamento em vez da punição e a adesão em vez de repressão”. É desta forma que o Governo olha, em auto-análise, para a aplicação do crime de desobediência, cujo entendimento assume ter sido confuso no primeiro estado de emergência.

Noutro âmbito, já em análise ao país, o Governo avança, porventura surpreendentemente, que os portugueses passaram a consumir… menos vinho. Já lá vamos.

Sendo certo que está iminente um terceiro decreto presidencial de emergência, a começar neste sábado, o primeiro estado de emergência, de 19 de Março a 2 de Abril, ainda suscita discussão. O Governo lançou um relatório de análise às medidas aplicadas no país e na forma como estas influíram, negativamente, na vida dos portugueses. Mas não só, já que o Governo também viu pontos positivos na pandemia.

O documento, com mais de cem páginas, elaborado pelo Ministério da Administração Interna (MAI), já foi apresentado à Assembleia da República.

Governo assume problemas no crime de desobediência

Um dos pressupostos da legislação do estado de emergência é a punição do crime de desobediência, sobretudo em matéria de confinamento obrigatório – casos mais falados – ou de encerramento de estabelecimentos – menos falados, mas também em número já considerável no registo de ocorrências das forças policiais.

Mas o que é o crime de desobediência? E quando estaremos a incorrer nesse crime? E o que acontece se o fizermos? É aqui que têm residido as grandes dúvidas. Questões da população, da imprensa, das forças policiais e… do próprio Governo.

“No decurso da execução do Decreto n.º 2-A/2020, de Março, surgiram dúvidas interpretativas quanto ao âmbito de abrangência da cominação do crime de desobediência”; assume o relatório do MAI. E vai mais longe: “O Governo considera preferível, se se mantiver eficaz, o aconselhamento em vez da punição e a adesão em vez de repressão”.

Quer isto dizer que, para o Governo, as dúvidas legais e jurídicas relativamente à avaliação e punição dos crimes de desobediência devem ser resolvidas, para já, com pedagogia e sensibilização, deixando, por extensão, a punição para estágios mais graves de comportamento.

“Entendeu o Governo fazer aplicar o decreto de execução do estado de emergência, apelando ao sentido de cidadania e de responsabilidade dos cidadãos, nomeadamente através de uma abordagem de sensibilização, esclarecimento e pedagogia. Tal abordagem é prévia ao accionamento dos mecanismos de natureza penal previstos na lei, aplicáveis aos casos mais graves de desrespeito de obrigações de confinamento e de desobediência indevida a ordens legítimas da autoridade pública”, pode ler-se.

Menos vinho para as mesas

Num cariz de maior trivialidade, o Governo detalhou, também, as mudanças mais significativas detectadas nos hábitos de consumo dos portugueses – cuja procura, apesar de tudo, “permitiu à produção agrícola e agroalimentar manter o seu funcionamento, sem perturbações persistentes na cadeia de abastecimento”.

Apesar da ideia generalizada de haver um aumento no consumo de bebidas alcoólicas, por consequência do confinamento domiciliário, o Governo, pelo menos relativamente ao vinho, nega esta “premissa popular”.

O relatório garante que “o sector do vinho sinalizou, desde logo, o impacto negativo nas vendas e no sector do enoturismo”. Os portugueses estão, portanto, a levar menos vinho para as suas mesas.

Para o Governo, destacam-se, também, a diminuição na procura de queijos e de leitões – neste caso, por fecho dos restaurantes da especialidade – e, nos frutos, problemas de escoamento dos frutos vermelhos – muitas explorações têm os seus circuitos montados com destino à restauração.

“Foi também verificada a paragem quase imediata do sector das flores e plantas ornamentais, cuja procura externa e interna estagnou em virtude da pandemia”, pode ler-se ainda.

Compras digitais melhoraram

Reconhecendo mudanças na quantidade e variedade dos produtos à disposição dos cidadãos, o Governo aponta, porém, um sector em crescimento: o das compras digitais.

Segundo o relatório do MAI, existe dinamização do comércio digital, espelhada pelo crescimento do registo de domínios de sites na internet.

“Tal dinamização verifica-se, de forma particular, nas encomendas de bens alimentares e de primeira necessidade, bem como na subscrição de produtos culturais e de conteúdos de entretenimento, conclusões sustentadas na informação relativa aos tráfegos de dados e de voz até então divulgada”, detalha.

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