Covid-19: Impreparação para segunda vaga “pode levar a recessão ainda maior”

No melhor dos cenários, diz Álvaro Santos Pereira, economista ligado à OCDE e ex-ministro da Economia do governo de Passos Coelho, “vamos ter a maior recessão mundial, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial, talvez mesmo desde a Grande Depressão”.

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“Terá de haver medidas para apoiar a contratação, porque vai haver mais desemprego", destaca Álvaro Santos Pereira Miguel Manso

O economista Álvaro Santos Pereira diz que os países têm de estar preparados para uma segunda vaga da pandemia covid-19 porque, se não o fizerem, a recessão económica pode ser ainda maior do que a projectada pelo FMI.

Em entrevista à agência Lusa, o director de estudos específicos por país do departamento de Economia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) diz que as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), que apontam para uma queda em Portugal de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma taxa de desemprego de 13,9% em 2020, vão em linha com o que a OCDE já previa, mas são um cenário central.

“O que os números do FMI mostram claramente é que no melhor dos cenários vamos ter a maior recessão mundial, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial, talvez mesmo desde a Grande Depressão”, sublinha o economista.

Ainda assim, o antigo ministro da Economia no governo liderado por Pedro Passos Coelho alerta para que se não se conseguir arranjar um tratamento eficaz contra o vírus rapidamente “é muito possível que se verifique um cenário de uma segunda vaga [da pandemia] daqui a uns meses em muitos países” e, se for esse o caso, é essencial estar preparado.

“Se isso acontecer, o que interessa é estarmos preparados para minorar o impacto. Se tivermos outra vez os países não tão preparados como deviam, sem os meios de protecção, não só dos profissionais de saúde, mas também das populações, é muito provável que esta pandemia possa causar uma recessão ainda maior”, alerta o economista.

Ingredientes para a confiança

Álvaro Santos Pereira diz ainda que a confiança total só regressará aos agentes económicos quando houver uma vacina ou um tratamento eficaz para a pandemia, e que, até lá, a recuperação da actividade económica não será igual em todos os sectores.

“Se conseguimos um tratamento eficaz, a confiança vai voltar. E quando isso acontecer vamos reagir de uma forma bastante forte. E a economia vai recuperar”, mas enquanto isso não acontecer, haverá sectores que “vão continuar com negócios, no mínimo, muito reduzidos”, adverte o economista, exemplificando que áreas como a dos cruzeiros, a aviação, o turismo ou a restauração “vão continuar a ser bastante afectadas”.

Álvaro Santos Pereira diz esperar que as previsões agora conhecidas estejam erradas e que a realidade mostre uma recessão menos profunda e uma recuperação mais rápida. Mas lembra que os números que vão sendo conhecidos um pouco por todo o mundo “não são animadores”.

“Estamos a falar, por exemplo, nos Estados Unidos”, refere o economista, que num mês viu mais de 22 milhões de americanos a cair numa situação de desemprego. “O desemprego em quatro semanas aumentou mais do que a recuperação de toda a criação de emprego nos últimos 10 anos. Em quatro semanas destruíram-se mais empregos do que se criaram em dez anos. E a economia tem estado numa expansão contínua nos últimos dez anos”, explica o antigo ministro. “Estamos a falar de magnitudes e uma rapidez que não conhecíamos até agora, portanto, é muito provável que, quer em Portugal, quer na Europa, ou noutros países, infelizmente, os cenários sejam muito realistas. Ainda há muita incerteza, mas recessões acima de 5% quase de certeza que vão acontecer”, lamenta o economista.

O responsável por um dos departamentos da OCDE exemplifica ainda com outros dados: se a recessão em Portugal atingir os 8%, como prevê o FMI, será uma queda maior à registada durante todo o período da troika. “Obviamente, também estamos à espera, se tudo correr bem, de uma recuperação da economia muito mais dinâmica. Mas obviamente isto vai gerar muito desemprego, falências de empresas e obviamente vai causar-nos bastantes problemas ao nível do défice e da dívida”, conclui.

O “Grande Confinamento” levou o FMI a fazer previsões sem precedentes nos seus quase 75 anos: a economia mundial poderá cair 3% em 2020, arrastada por uma contracção de 5,9% nos Estados Unidos, de 7,5% na zona euro e de 5,2% no Japão.

Resposta europeia ainda “não chega”

O economista diz ainda que a resposta europeia à actual está a ser “muito mais eficaz” do que a anterior, mas que “não chega” e que sem mutualizar dívida os países terão problemas.

“Há uma resposta europeia muito mais eficaz do que na anterior crise financeira. A Europa já teve uma resposta importante através do Banco Central Europeu (BCE), da Comissão Europeia e do Eurogrupo. Mas, dito isto, é importante dizer que não chega. A Europa vai ter que aumentar a parada e vai ter que ajudar mais países a sair desta situação”, refere Álvaro Santos Pereira.

Sobre as medidas adoptadas pelo Governo, afirma que “as medidas padrão adoptadas em toda a Europa”. A OCDE está a analisar “as medidas que os vários países tomaram nas últimas semanas” e a conclusão a que chega é que são “medidas praticamente universais na grande parte dos países: “layoff”, para tentar segurar as pessoas nas empresas com menos custos, deferimento de impostos, deferimento de contribuições sociais, deferimentos pagamentos de juros...”

“No fundo, está a parar-se o incêndio para que se possa reagir”, adianta o economista, assegurando que “quando se sair do confinamento, quando se começar a ver o tempo que isto vai durar e, principalmente, que empresas não aguentaram, o desemprego que existe, quando se começar a perceber um pouco mais essas variáveis, vão ter de haver medidas para estimular a economia”.

E à cabeça das medidas a implementar, Álvaro Santos Pereira aponta para aquelas que permitam ajudar as empresas a manter postos de trabalho e a voltar a contratar.

“Terá de haver medidas para apoiar a contratação, porque vai haver mais desemprego. E vão ter que haver medidas para que pessoas não sejam despedidas, especialmente os que têm relações de trabalho mais precárias”, explica o antigo ministro da Economia no governo liderado por Passos Coelho.

O economista diz que vai ser preciso aumentar “flexibilidade” no trabalho e exemplifica com algumas dessas medidas: “renovação extraordinária dos contratos a prazo ou utilização novamente de uma forma mais abrangente do banco de horas, quer colectivo ou individual.” “Este tipo de mecanismo vai ter que aumentar para aumentar a flexibilidade, para ajudar as empresas a recuperarem neste período de crise”, assegura o economista.

Além deste tipo de medidas, o antigo governante diz ainda que serão adoptadas medidas para apoiar sectores específicos da economia portuguesa que tenham sido mais afectados, como o turismo, a aviação ou a restauração, e também poderão surgir medidas para regiões que também tenham sido mais afectadas pela crise

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