Número médio de contágios por infectado “está perto de um”, mas é cedo para reverter todas as medidas de contenção

Com a maioria dos portugueses fechados em casa há quase um mês, a notícia da descida do R0 (o número médio de contágios causado por cada pessoa infectada) foi recebida com felicidade. No entanto, e de acordo com a opinião de vários especialistas, ainda é cedo para levantar todas as medidas de confinamento: processo terá sempre de ser gradual.

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Em Portugal, “fechámos a porta com muita força e a população portuguesa aderiu, e por isso a abertura tem de ser muito gradual”, diz Carla Nunes EPA/JESUS DIGES

Antes desta pandemia, este era um termo desconhecido da maioria dos portugueses, mas, pouco a pouco, foi entrando no seu vocabulário: R0 (lê-se zero). Este valor, em conjunto com o Rt (ou efectivo), ajuda a perceber como é que a infecção se está a disseminar na comunidade e permitem tomar decisões na área da saúde pública – que nos afectam a todos.

Sabe-se agora que quanto mais baixos forem esses valores, mais perto estaremos de uma situação de aparente controlo da pandemia em solo português. E os números parecem mostrar que estamos no bom caminho, pelo menos no que diz respeito ao R0: “O R0 está perto de um, com pequenas variações regionais”, revelou a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, numa conferência de imprensa na quarta-feira. O valor actual, em Portugal, é “de 1,1 nuns sítios e um pouco abaixo de 1 noutros”.

“Há um decrescimento de R0 e isso é claro. O valor de um é a referência: um caso para um caso”, começa por explicar Carla Nunes, especialista em epidemiologia e estatística da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA), ao PÚBLICO. “Acima disso estamos a crescer e abaixo disso a decrescer.”

​Mas estes números – como todos, nesta pandemia —, devem ser olhados com cautela: “Não há um valor milagroso” do R0 que permita, por si só, aliviar todas as medidas de confinamento, alertou a directora-geral da Saúde. E o R0 não é o único parâmetro utilizado pelos diversos países para tomar decisões sobre o aliviamento dessas medidas.

Daqui para a frente será cada vez mais difícil baixar este valor

De acordo com os dados fornecidos pela DGS a 3 de Abril, o R0 em Portugal situava-se um pouco acima de dois – o que queria dizer que cada pessoa infectada contagiava, em média, duas pessoas. Neste momento, passados 15 dias, o número já se situa perto do um.

É importante baixar ainda mais este valor, mas vai ser uma luta difícil, antevê a directora da ENSP-NOVA. É que há uma coisa importante a reter: “Inicialmente o valor decresce muito mais e isso agora demora muito mais tempo a acontecer”, alerta.

Apresentar valores abaixo de um (como o tão ansiado 0,7, apresentado com uma das referências internacionais para que se aliviem um pouco as medidas de contenção) quer dizer apenas que cada pessoa gera menos casos a seguir, isto é, uma pessoa já não gera necessariamente um infectado. Se o valor de R0 for de 0,7, quer dizer que por cada grupo de dez pessoas infectadas só irão resultar sete novos infectados — o que significa que o contágio está a decrescer. 

Descer um valor agora iria equivaler a “aproximarmo-nos do zero”, um objectivo impossível, por enquanto. “Só se vivêssemos todos em redomas de vidro”, avalia. “Há-de acontecer um dia, quando tivermos imunidade.”

Relaxar medidas de contenção, mas com conta, peso e medida

Uma vacina ainda não está, por enquanto, no horizonte e a tão falada imunidade de grupo poderá ter “resultados catastróficos”. Mas já há quem fale em relaxar as medidas de confinamento. Em Portugal, “fechámos a porta com muita força e a população portuguesa aderiu, e por isso a abertura tem de ser muito gradual”, analisa Carla Nunes.

A Organização Mundial da Saúde recomenda cautelas no levantamento dessas medidas, mas alguns países, como França, já anunciaram que vão fazê-lo, ainda que de forma gradual. “Temos a experiência de outros países que estão a introduzir medidas planeadas de 15 em 15 dias. Umas vezes abrem as creches, depois abrem outro tipo de negócios para se ir controlando impacto no crescimento”, ilustra Carla Nunes.

E mesmo com todos os cuidados, não está excluída a existência de uma segunda onda epidémica. “Há um desconhecimento muito grande, mesmo na área da virologia, sobre segundas ondas e sobre o que vem a seguir.”

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